segunda-feira, 8 de agosto de 2022

UM FRAGMENTO DE ESMÉNIO

 


26. Charada do contrabando

26. Existem três tipos de cadáveres que equivalem a três tipos de defuntos: há os que são encontrados e enterrados, os que não chegam sequer a ser encontrados, e os que, embora encontrados, por qualquer razão não são metidos à terra. Um foi enterrado, mas não se consegue baixar à ravina; tivemos que lá deixar o outro diabo, os ossos a ficarem brancos, a romperem a pele debaixo do sol. Ora, achando-se aqui motivo de curiosidade ou não, o desfecho que nos estava reservado acabou por gerar precisamente um morto para cada gosto, como convém ao conto raiano. Mas mais que isso, mais singular que tudo o resto, é que tendo a nossa história acabado connosco abatidos como cães, esquecidos como enfermos de guerra, três miseráveis finados a centenas de quilómetros de casa, o mais singular dizia eu, é que tudo ocorrido, sucedido e relatado, nós éramos apenas um par de contrabandistas virados a montante e a jusante do rio, aquém e além fronteira. E é por isso que não posso prosseguir a narrativa que me ocupa, esta trágica historieta finda a qual dois homens se fazem três mortos, sem antes ter resposta, sem saber ao certo, ♪ afinal no final quem sou eu? ♪

Esménio, in Cinquenta e Seis. Vinte e cinco da terra e do rio. Trinta e um do mar e dos viajantes., FLOP, Junho de 2018, p. 37.

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