terça-feira, 23 de agosto de 2022

ZENÃO

 

Entre os pré-socráticos, o mais entusiasmante de todos é Zenão de Eleia. No entanto, pouco sabemos acerca desta misteriosa criatura. Terá nascido em 490 a.C. (apoio-me no livro de Kirk, Raven e Schofield publicado pela Gulbenkian). Diz-se também que conspirou contra um tirano, deu provas de coragem ao ser torturado, passou a vida sem sair da sua cidade natal. O que escreveu? Quando escreveu? Um tratado ou vários? O único fragmento da sua autoria que nos chegou intacto diz isto: «Se existe um lugar, ele está em alguma coisa, porque tudo o que existe está em alguma coisa; mas o que está em alguma coisa está também num lugar; portanto o lugar deveria estar, ele próprio, num lugar, e assim até ao infinito; portanto, não existe nenhum lugar.» (aqui apoio-me na versão incluída na “História da Lógica” de Robert Blanché) O mais que lhe foi atribuído chegou-nos, sobretudo, pelo que acerca dele se discute nas obras de Platão e de Aristóteles. Este considerava-o «o inventor da dialéctica». A discussão começa logo no que chamar aos pensamentos de Zenão: argumentos, paradoxos, antinomias, dilemas, enigmas, quebra-cabeças? Por mim, podem chamar-lhe o que bem entenderem. São desafios ao pensamento que colocam em causa a resistência da lógica. Depois, com que intuito terá elaborado tais aporias? Bertrand Russell, que se entusiasmou com elas, reconheceu a sua capacidade de abalar aquilo que damos por verdadeiro. O problema da relação espaço-tempo colocado pelos chamados paradoxos do movimento é, ainda hoje, motivo de controvérsia. O que não parece gerar controvérsia é a relevância do seu legado na história da literatura, nomeadamente em toda essa ficção produzida sobre os alicerces do nonsense e do absurdo. O que seria de Lewis Carroll ou de Samuel Beckett sem Zenão de Eleia?

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