domingo, 4 de setembro de 2022

DICOTOMIAS

 
Não estás comigo, estás contra mim. Ou: não és por mim, és pelos meus inimigos. Este tipo de mentalidade, típica do hooliganismo (não tem outro nome), está agora muito em voga, legitimada e praticada por todo o tipo de gente. Nunca vi nada semelhante em 48 anos de vida e, a bem dizer, tem sido uma experiência nova altamente reveladora da degradação moral a que qualquer pessoa pode sujeitar-se a partir do momento em que consente este tipo de mentalidade. Isto, que agora se aplica ao conflito em curso na Ucrânia, e nunca vi semelhantemente aplicado a nenhum outro conflito ou polémica, fosse nas discussões acesas sobre a IVG ou a participação portuguesa na invasão do Iraque, touradas em Barrancos ou coisa que o valha, é fenómeno que só me recordo de ver entre claques de futebol. Como para os grunhos do futebol tenho vários anticorpos, terei agora de arranjar maneira de me proteger dos burgessos da política internacional. E há tantos e tão especializados que uma pessoa até fica zonza. A mim é que não apanharão nestas dicotomias. Não precisei de ser a favor de Saddam Hussein, para estar contra o que o quarteto Bush, Blair, Aznar e Barroso foram fazer ao Iraque. E jamais me ouvirão defender que a solução para a Palestina está em encher de armas o Hamas. No entanto, acho que já estive mais longe de escarrar na cara ou dar umas bofetadas valentes em alguém que me acuse de putinismo ou de defender a invasão da Ucrânia só porque cometo esse crime de lesa diafaneidade que é, por exemplo, não ver sentido nenhum na presença da Ucrânia na Feira do Livro de Lisboa.

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