Assaltam-me por vezes memórias estranhíssimas, talvez
motivadas por associações livres entre a percepção do presente e o modo como
organizamos o passado dentro de nós. O rei irritado com os dedos borrados de
tinta enviou-me para uma visita algures, não me lembro onde, a uma capela ou
igreja ou catedral onde os restos mortais de uma santinha permaneciam, passados
séculos, com os cabelos intactos. Eu ia pela mão de minha mãe, espreitámos o
cadáver e seguimos. Dizia-se também que a santinha chorava incessantemente,
exibindo lágrimas reluzentes no rosto, e vertia pingos de sangue no lugar das
chagas de Cristo. Tudo aquilo me causou muita impressão. Como a tendência para
a filosofia é coisa que nasce connosco, resolvi colocar questões: será que também
tem pêlos púbicos? E o período, terá? Urina? Defeca? Espirra? Se tem lágrimas,
porque não tem ramelas? E ranho? Tal como nunca acreditei no sangue azul da
aristocracia, sempre desconfiei de santinhas que choram e não espirram.
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