sábado, 15 de outubro de 2022

TÃO FÁCIL SER DOS GRANDES

 


"Tão fácil ser dos grandes. Mas é tão + bonito ser do Caldas." Podia ficar só com a primeira parte. O jogo foi emotivo, mas não é disso que pretendo falar. É desta trindade futebol, Fátima e fado de que não nos livramos. Estar do lado dos grandes é, na verdade, estar do lado destas coisas. É estar do lado do futebol, é estar do lado de Fátima, já não é tanto estar do lado do fado. Enfim, sempre evoluímos qualquer coisa graças à música pimba. Eu, que sou pela total separação do Estado e da Igreja, não posso estar do lado da promiscuidade que tantas vezes se observa entre Estado e Igreja (seja a do corpo de Deus ou a da bola catchú). O rosto mais visível desta promiscuidade é, neste momento, o PR Marcelo, que, não por acaso, comenta futebol com a mesma acuidade dedicada aos assuntos da Igreja. De passagem, vou dizendo que fui praticante de bola e gosto do jogo, tendo também concluído formação na UCP. Tive de lidar com muitos padres ao longo da vida, uns boa gente, outros intragáveis, e não tenho dúvidas de que entre os piores estão aqueles que são mais papistas do que o papa. Não me interpretem mal, não digo isto à maneira dos racistas que negam sê-lo porque até têm um amigo preto. Quero apenas deixar claro que não sou de confundir a árvore com a floresta. Nada tenho contra o futebol e cada um sabe de si em matéria de fé. O problema está nas práticas. Nasci numa terra que acha perfeitamente normal o presidente da câmara ser frequência assídua no púlpito de paróquias onde entrega cheques em mão ao padre da freguesia, a bem do centro paroquial e das salas onde os meninos têm religião e moral. Isto parece normal e aceitável, de acordo com concordatas ancestrais que há muito deviam ter sido abolidas. Ora, nada disto é saudável. Da mesma forma, não entendo que por causa de um jogo de futebol em particular se faça um investimento extraordinário que, por certo, será muito do agrado dos grandes para quem não é fácil estar ao lado dos pequenos. Longe de ter algum pingo de admiração por Rui Rio, apreciei o modo como se distanciou do FCP quando foi presidente da câmara do Porto. Há que saber separar as águas. O lado bom é termos ficado a saber que há €250 000 para um relvado. Logo, também os haverá para muitas coisas que tenham em vista o desenvolvimento sustentado da comunidade. Não o entretenimento de um dia, mas o trabalho continuado, diário, de anos. São para mim questões muito básicas e têm que ver com opções. Se queremos mudar alguma coisa, não é fazendo como sempre se fez. É tendo coragem para fazer diferente e melhor, com outros níveis de exigência e de sustentabilidade (gosto desta palavra). Não alimento esperanças, para ser sincero e tendo em conta os factos. Falo tanto a nível local como nacional. Em breve, só para dar um exemplo, teremos o mundial do Catar. Quero então ver quem estará do lado dos pequenos, do lado dos trabalhadores escravizados que morreram a construir aqueles estádios para que os grandes, os milionários jogadores e demais comitiva, se sintam confortáveis nos relvados plantados no deserto. Sim, tão fácil ser dos grandes. Mais difícil é compreender quem realmente são os pequenos neste mundo de hábitos e de práticas tão mesquinhas e tão hipócritas.

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