"Tão fácil ser dos grandes. Mas é tão + bonito ser
do Caldas." Podia ficar só com a primeira parte. O jogo foi emotivo, mas
não é disso que pretendo falar. É desta trindade futebol, Fátima e fado de que
não nos livramos. Estar do lado dos grandes é, na verdade, estar do lado destas
coisas. É estar do lado do futebol, é estar do lado de Fátima, já não é tanto
estar do lado do fado. Enfim, sempre evoluímos qualquer coisa graças à música
pimba. Eu, que sou pela total separação do Estado e da Igreja, não posso estar
do lado da promiscuidade que tantas vezes se observa entre Estado e Igreja
(seja a do corpo de Deus ou a da bola catchú). O rosto mais visível desta
promiscuidade é, neste momento, o PR Marcelo, que, não por acaso, comenta
futebol com a mesma acuidade dedicada aos assuntos da Igreja. De passagem, vou
dizendo que fui praticante de bola e gosto do jogo, tendo também concluído
formação na UCP. Tive de lidar com muitos padres ao longo da vida, uns boa
gente, outros intragáveis, e não tenho dúvidas de que entre os piores estão
aqueles que são mais papistas do que o papa. Não me interpretem mal, não digo
isto à maneira dos racistas que negam sê-lo porque até têm um amigo preto.
Quero apenas deixar claro que não sou de confundir a árvore com a floresta. Nada
tenho contra o futebol e cada um sabe de si em matéria de fé. O problema está
nas práticas. Nasci numa terra que acha perfeitamente normal o presidente da
câmara ser frequência assídua no púlpito de paróquias onde entrega cheques em
mão ao padre da freguesia, a bem do centro paroquial e das salas onde os
meninos têm religião e moral. Isto parece normal e aceitável, de acordo com
concordatas ancestrais que há muito deviam ter sido abolidas. Ora, nada disto é
saudável. Da mesma forma, não entendo que por causa de um jogo de futebol em
particular se faça um investimento extraordinário que, por certo, será muito do
agrado dos grandes para quem não é fácil estar ao lado dos pequenos. Longe de
ter algum pingo de admiração por Rui Rio, apreciei o modo como se distanciou do
FCP quando foi presidente da câmara do Porto. Há que saber separar as águas. O
lado bom é termos ficado a saber que há €250 000 para um relvado. Logo, também
os haverá para muitas coisas que tenham em vista o desenvolvimento sustentado
da comunidade. Não o entretenimento de um dia, mas o trabalho continuado,
diário, de anos. São para mim questões muito básicas e têm que ver com opções.
Se queremos mudar alguma coisa, não é fazendo como sempre se fez. É tendo
coragem para fazer diferente e melhor, com outros níveis de exigência e de
sustentabilidade (gosto desta palavra). Não alimento esperanças, para ser
sincero e tendo em conta os factos. Falo tanto a nível local como nacional. Em
breve, só para dar um exemplo, teremos o mundial do Catar. Quero então ver quem
estará do lado dos pequenos, do lado dos trabalhadores escravizados que
morreram a construir aqueles estádios para que os grandes, os milionários
jogadores e demais comitiva, se sintam confortáveis nos relvados plantados no
deserto. Sim, tão fácil ser dos grandes. Mais difícil é compreender quem
realmente são os pequenos neste mundo de hábitos e de práticas tão mesquinhas e
tão hipócritas.
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