Estava deitado na cama, a ler Slavoj Žižek, quando reparei numa estranha mudança de luz vinda da janela do quarto. Pousei o livro e dirigi-me à janela, que abri para espreitar o exterior, dando com um duplo arco-íris bastante carregado nas cores. Têm estado dias cinzentos, tempestivos, de céu densamente nublado, vento forte e aguaceiros intermitentes. O arco-íris surgiu numa abertura passageira que rapidamente se fechou para poder o espanto regressar à normalidade, isto é, aos pesados cinzentos de manhãs, tardes e noites a ler Žižek e outras inutilidades. Tento imaginar o que sentiriam os meus antepassados do tempo de Gilgameš ao depararem-se com fenómenos meteorológicos semelhantes? Que espanto seria o deles e com que assombro acolheriam tais momentos? Não se extinguiu por completo a noção de beleza, associada à excepcionalidade do instante, sendo disso prova os inúmeros registos fotográficos imediatamente partilhados nas redes sociais, mas talvez se tenha perdido para sempre a dúvida que do inexplicável gerava o mito. Temos hoje explicação para praticamente tudo e, quando não temos, logo nos encarregamos de a encontrar recorrendo a metodologias científicas aparentemente infalíveis. Sucede ser a mesma ciência que explica o mundo aquela que, nas mãos de poderes errados, se encarregará de destruí-lo, o que me leva a dúvidas sobre as vantagens do conhecimento. Pergunto-me se não será de facto dos néscios o reino de Deus, se não existirão vantagens numa ignorância que leva à adoração. Respondo espontaneamente que não. O ideal seria uma ignorância profiláctica, mas não crendo em ideais parece-me que a maior vantagem a retirar do conhecimento é sermos desconfiados relativamente a esse mesmo conhecimento, isto é, nunca abandonarmos o campo da dúvida e da crítica em benefício de certezas, convicções, fés, paradigmas falíveis. Por isso regresso à cama e aos livros, deixando correr no leitor de CDs o “Jehovahkill” de Julian Cope, aguardando por outro instante que me interrompa a agonizante engrenagem das manhãs, tardes e noites a ler Žižek.
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