Quando digo que “Fifty Shades of Grey” é um livro vulgar,
desinteressante, estupidificante, um produto meramente comercial cujo principal
interesse nada tem que ver com literatura, cultura, arte, não o faço na base de
preconceitos. Digo-o porque li vários livros que são exactamente o oposto.
Preconceito é partir-se do princípio de que a exigência, o rigor, a cultura da
qualidade são elitistas e preconceituosos, princípio que assenta numa confusão
muito comum entre popular e popularucho. O popularucho tem o valor da pastilha
elástica, é mero entretenimento para consumir e deitar fora. O popular é outra
coisa. Um exemplo fácil de perceber, suponho, é este: o Emanuel do pimba faz
música popularucha, a música do Zeca era música popular. O segundo será ouvido,
reinterpretado, estudado, pensado, copiado, durante décadas e mias décadas. O
primeiro rapidamente será esquecido. Bem sabemos que o povo gosta muito do
popularucho, pois o povo gosta do que lhe dão, seja o Big Brother, a Feira das
Tasquinhas ou pornografia, o povo abranda a marcha para espreitar o acidente, o
povo vê “Quem quer casar com o agricultor”. Mas há uma coisa que se chama
serviço público e está para lá do que o povo papa se lho derem a papar, é uma
coisa muito simples chamada compromisso, a obrigação de quem dá em dar o
melhor, o dever de fazer chegar ao povo, às pessoas, aquilo que não será
esquecido, aquilo que contribuirá para o debate, a reflexão e essa coisa
raríssima, mas maravilhosa, a que podemos chamar alegria do pensamento.
Lembrei-me hoje destas coisas porque vivemos um período tão estranho que a
hegemonia do sensacionalismo, do popularucho, do entretenimento mais desprovido
de pensamento, leva à espectacularização do sentimento em todos os domínios da
nossa vida. E isso reflecte-se, por exemplo, em coisas tão simples como essa de
vulgarizarmos a destruição provocada pela guerra, banalizarmos a violência e a
crueldade com a sua exibição constante, a ponto de já tudo nos ser indiferente.
Que haja jovens a filmar cenas de bullying para as exibir nas redes sociais não
me admira, pois se os adultos que os geram e são responsáveis pela sua educação
insistem em render-se ao popularucho sem se esforçarem minimamente para
elevarem cada vez mais o nível do popular.
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