Convenhamos que o mundo ficaria bem mais pobre e mais vazio sem o Artista. Nenhuma classe, porém, está entre nós tão desprotegida. É certo que, geralmente depois de morto, o Artista beneficia de certas compensações... é falado, é lido e relido, comentado, antologiado, imitado, entra no património nacional. Donde se poderá então concluir que o costumado confronto com a cigarra é odioso e injusto, que da cigarra pouco fica para o seu semelhante e os vindouros, mas do Artista fica muito em relação ao que deixa à maioria dos seus contemporâneos, que é caca.
Denunciemos com toda a energia a fórmula, hipócrita e falsamente optimista, que o amanhã é dos loucos de hoje (e Pessoa, que pôs a correr em verso esse lugar-comum, o exibe melhor que ninguém: o "louco" era ele e os "de juízo", os sensatos espertalhões, é que descobriram uma mina na sua obra). Quando se vê que as videirinhas formigas tomam conta, cedo ou tarde, do canto da cigarra para se alambazarem à sua custa, em boa fé somos levados a admitir que o canto sempre vale alguma coisa e justo será que seja ela, antes de ninguém, a lucrar com isso, ao menos para não morrer de fome e frio, tiritando a dançar no Inverno, como quer a fábula. E a formiga, claro!, para seu gozo e proveito.
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