quinta-feira, 30 de março de 2023

UM POEMA DE JOSÉ AFONSO

 
TU MORRES TODOS OS DIAS
 
Tu morres todos os dias
libertando telefonemas
diante da minha mágoa
exposta à ira dos dias
levo-te cravos vermelhos
flores recentes da estação
Morres e vais caminhando
sobre uma estrada de fumo
o lume que nos sustenta
Já não cheira não tem vida
Às vezes vens-me à lembrança
descalça ao longo da praia
Vivo terrores de madraço
Com dívidas acumuladas
Seguindo de perto o tráfego
Saberei um dia amar-te
Tu morres tu pontificas
eu respiro a tua sombra
Ai repouso do guerreiro
Sobre o abismo repousas
 
Azeitão, 31 de Março de 1981
 
José Afonso, in Obra Poética, org. Jorge Abegão, Relógio D'Água, Dezembro de 2022, p. 331.

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