CABEÇA DE PRETO (1873), DE ANTÓNIO SOARES DOS REIS
Em mil oitocentos e setenta e três
Nem tudo era tão simples, havia
Um império para recuperar
E banqueiros brancos dispostos a
Investir seu prestígio e herança
Genética no fomento do comércio
Ultramarino. E a cabeça
Do moço preto saudável moldada
Em bronze a dar conta do brilho
Da pele e dos lábios carnudos fica
Bem no salão onde a nova burguesia
Se reúne em celebração
Da abundância e da leveza da vida
Em noites de festa. O rosto
Habituado à mansidão evoca
A mão-de-obra sucessiva de séculos
A validar soberania
Nas selvas d'África, desde a Costa
Até à Contracosta e o desagravo
Aos avanços de Livingstone em nossas
Extensões de território. Permaneça,
Busto sem defeito de escravo com outro
Nome mais fácil de proncunciar.
A imagem e o volume da nossa vergonha
Feita de orgulho pátrio, coisa multi-
-Cultural ou miscigenada fantasia
Deixada aos netos sem pensar mais
Do que prometa a força da brandura
Com que memórias gloriosas se
Constroem. Magnatas e barões
Apreciam o arco das sobrancelhas,
A textura hábil que o escultor
Deu ao cabelo rente e crespo
Ou a forma do nariz largo; cada
Risada condescendente ignora a dor,
O estigma, o traço de raiva duradouros,
Persistentes como o lucro dos juros
Purificados pela boa consciência
Da prosperidade e do esquecimento.
Rui Almeida, in Cinco Cavalos Abatidos e Outros Poemas, Companhia das Ilhas, Março de 2022, pp. 37-38.
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