domingo, 7 de maio de 2023

TRÊS VEZES DEUS

 


De O Silêncio de Deus
Ana Marques Gastão

Z

No princípio eras Tu, no fim Tu serás
e no meio dormem os homens um longo,
longo sono onde o tormento se faz carne
e habita entre nós. Porque ninguém jamais
Te viu. Outros virão, outros, outros e outros
para consumar o círculo da vida, os que chegam
depois de Ti e nunca antes, ou não fosses Tu
o princípio, ordem e silêncio de todas as cosias.

No princípio eras Tu, no fim Tu serás 
e no meio conhecem os homens a dor
e a devastação, a fome e a ruína, a solidão
e a injustiça. Porque ninguém jamais Te
viu. Nem os que choram, nem os que riem
nem os aflitos, nem os doentes, nem os que
envelhecem nem os que, fatigados, morrem.

Eloi, Eloi
quem te ama chora.

No princípio eras Tu, no fim Tu serás.



De A Morte de Deus
António Rego Chaves

G

Ditava palavras mágicas.
Eles tomavam nota do que é e não é
(chamavam-se Moisés  Jesus  Maomé)
mas tudo ficou amontoado  trocado
mesmo virado do avesso  baralhado.

Dizia: malditos sejam
estes três lunáticos
sem sentido das proporções
da harmonia
da aritmética
do universo.
Como se fosse Deus.


De O Barulho de Deus
Armando Silva Carvalho

S

Entre cão e cordeiro
duas ou três ervas, um pedaço de pão.
E o barulho do choro
perdido no meio das máquinas.
É uma criança. E afastam-se. Vestem-se, comem
e depois morrem.


Ana Marques Gastão, António Rego Chaves, Armando Silva Carvalho, in Três Vezes Deus, com prefácio de José Tolentino Mendonça, Assírio & Alvim, Dezembro de 2001.

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