BRABÂNCIO
Porque gritais assim tão assustados?
O que se passa?
RODRIGO
Signior, estão todos dentro, os da casa?
IAGO
As portas estão fechadas?
BRABÂNCIO
Mas porquê?
IAGO
Senhor, fostes roubado! Ponde roupa.
Forrai o coração para um desgosto:
Está um carneiro preto velho a pôr-se
Na vossa ovelhinha branca neste instante!
Chamai os cidadãos, picai os sinos,
Ou o diabo faz de vós avô.
Pra fora, vá!
BRABÂNCIO
O quê? Está tudo doido?
RODRIGO
Senhor, reconheceis a minha voz?
BRABÂNCIO
Eu não. Quem sois vós?
RODRIGO
Sou eu, Rodrigo.
BRABÂNCIO
Pois já cá faltava!
Mandei-te pores-te a milhas desta casa.
Parece-me ter sido muito claro:
Esquece a minha filha. Que desplante
Vazares-me aqui à porta os teus maus vinhos,
Armado em fanfarrão, a perturbar
A minha paz!
RODRIGO
Senhor, senhor —
BRABÂNCIO
Mas podes ter certeza,
Meteste-te co’alguém em posição
De te cobrar bem caro.
RODRIGO
Senhor, esperai!
BRABÂNCIO
Roubado, que conversa! Isto é Veneza.
Não vivo numa granja.
RODRIGO
Bom Brabâncio,
Com toda a estima, venho honestamente —
IAGO
Chiça, senhor, sois capaz de vos recusardes servir a
Deus, se o diabo quiser. Nós vimos aqui com toda a lealdade, mas preferis meter
na cabeça que somos rufias, e isso é mais importante do que ter um cavalo
berbere a cobrir-vos a filha. Ides ter netos a nitrir ao pé de vós,
puros-sangues, ginetes nos genes!
BABÂNCIO
Quem é este ordinário?
IAGO
O que vos vem dizer, caro senhor, que a vossa filha e o
Mouro andam a brincar à besta de dois costados.
BRABÂNCIO
Seu pulha!
IAGO
E vós sois um senador!
William Shakespeare, in A Tragédia de Otelo, o Mouro de
Veneza, tradução de Daniel Jonas, Penguin Clássicos, Maio de 2022, pp. 8-9.
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