DISPARATES SEUS NA ÍNDIA
Este mundo es el camino
Ado hay ducientos vaus,
Ou por onde bons e maus
Todos somos del merino.
Mas os maus são de teor
Que, dês que mudam a cor,
Chamam logo a el-rei compadre;
E enfim, dejadlos, mi madre,
Que sempre têm um sabor
De quem torto nasce, tarde se endireita.
Deixai a um que se abone;
Diz logo, de muito sengo:
— Villas y castillos tengo,
Todos a mi mandar sone. —
Então eu, que estou de molho,
Com a lágrima no olho,
Polo virar do invés,
Digo-lhe: tu ex illis es,
E por isso não te olho;
Pois honra e proveito não cabem num saco.
Vereis uns, que no seu seio
Cuidam que trazem Paris,
E querem com dous ceitis,
Fender anca pelo meio.
Vereis mancebinho de arte
Com espada em talabarte;
Não há mais italiano.
A este direis: — Meu mano,
Vós sais galante que farte;
Mas pan y vino anda el caminho, que no mozo garrido.
Outros em cada teatro,
Por ofício lhe ouvireis
Que se matarán con três,
Y lo mismo harán con cuatro.
Prezam-se de dar respostas
Com palavras bem compostas;
Mas se lhe meteis a mão,
Na paz mostram coração,
Na guerra mostram as costas;
Porque aqui torce a porca o rabo.
Outros vejo por aí,
A que se acha mal o fundo,
Que andam emendando o mundo,
E não se emendam a si.
Estes respondem a quem
Deles não entende bem
El dolor que está secreto;
Mas porém quem for discreto
Responder-lhe-á muito bem:
— Assim entrou no mundo, assim há-de sair.
Achareis rafeiro velho,
Que se quer vender por galgo:
Diz que o dinheiro é fidalgo,
Que o sangue todo é vermelho.
Se ele mais alto o dissera,
Este pelote lhe pusera:
Que o seu eco lhe responda;
Que su padre era de Ronda,
Y su madre de
Antequera.
E quer cobrir o céu cuma joeira.
Fraldas largas, grave aspeito
Pera senador romano.
Oh! que grandíssimo engano!
Que Momo lhe abrisse o peito!
Consciência, que sobeja;
Siso, com que o mundo reja;
Mansidão outro que si;
Mas que lobo está em ti,
Metido em pele de oveja!
E sabem-no poucos.
Guardai-vos de uns meus senhores,
Que ainda compram e vendem;
Uns, que é certo que descendem
Da geração de pastores,
Mostram-se-vos bons amigos,
Mas se vos vêem em p’rigos,
Escarram-vos nas paredes;
Que de fora dormiredes,
Irmão, que é tempo de figos;
Porque de rabo de porco nunca bom virote.
Que dez eis duns, que as entranhas
Lhe estão ardendo em cobiça,
E se tem mando, a justiça
Fazem e teias de aranhas
Com suas hipocrisias,
Que são de vós as espias?
Pera os pequenos, uns Neros,
Pera os grandes, nada feros.
Pois tu, parvo, não sabias,
Que lá vão leis, onde querem cruzados?
Mas tornando a uns enfadonhos,
Cujas cousas são notórias;
Uns, que contam mil histórias
Mais desmanchadas que sonhos;
Uns, mais parvos que zamboas,
Que estudam palavras boas,
A que a ignorância os atiça:
Estes paguem por justiça,
Que têm morto mil pessoas,
Por vida de quanto quero.
Adonde tienen las mentes
Uns secretos trovadores
Que fazem cartas de amores,
De que ficam mui contentes?
Não querem sair à praça;
Trazem trova por negaça;
E se lha gabais, que é boa,
Diz que é de certa pessoa.
Ora que quereis que faça,
Senão ir-me por esse mundo?
Ó tu, como me atarracas,
Escudeiro de solia,
Com bocais de fidalguia,
Trazido quase com vacas;
Importuno a importunar,
Morto por desenterrar
Parentes que cheiram já!
Voto a tal, que me fará
Um destes nunca falar
Mais com viva alma.
Uns que falam muito vi,
De que quisera fugir;
Uns que, enfim, sem se sentir,
Andam falando antre si;
Porfiosos sem razão;
E dês que tomam a mão,
Falam sem necessidade;
E se algῦa hora é verdade,
Deve ser na confissão;
Porque «Quem não mente…» Já me entendeis.
Os vós, quem quer que me ledes,
Que haveis de ser avisado,
Que dezeis ao namorado
Que caça vento com redes?
Jura por vida da dama,
Fala consigo na cama,
Passeia de noute e escarra;
Por falsete na guitarra
Põe sempre: Viva que ama,
Porque calça a seu propósito.
Mas deixemos, se quiserdes,
Por um pouco as travessuras,
Porque antre quatro maduras
Leveis também cinco verdes.
Deitemo-nos mais ao mar;
E se algum se arrecear,
Passe três ou quatro trovas.
E vós tomais cores novas?
Mas não é para espantar;
Que quem porcos há menos,
Em cada moita lhe roncam.
Ó vós, que sois secretários
Das consciências reais,
E que antre os homens estais
Por senhores ordinários:
Porque não pondes um freio
Ao roubar, que vai sem meio,
Debaixo de bom governo?
Pois um pedaço de inferno
Por pouco dinheiro alheio
Se vende a mouro e a judeu.
Porque a mente, afeiçoada
Sempre à real dignidade,
Voz faz julgar por bondade
A malícia desculpada.
Move a presença real
Ũa afeição natural,
Que logo inclina ao Juiz
A seu favor. E não diz
Um rifão muito geral,
Que o abade, donde canta, daí janta?
E vós bailais a esse som?
Por isso, gentis pastores,
Vos chama a vós mercadores
Um que só foi pastor bom
Luís de Camões (1524? – 1580?)
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