Um pai avarento, de nome Harpagão, quer arranjar
casamentos proveitosos para o filho, Cleanto, e a filha, Elisa, que estão
apaixonados por quem não deviam. Cleanto, pela jovem rapariga que,
interesseiramente, o próprio Harpagão, muito mais velho, quer desposar. Tudo
por interesse material. A certa altura, Acto III, Cena I, discute-se um banquete:
(…)
Harpagão: Ora diz-me lá, és capaz de nos preparar uma boa
refeição?
Mestre Tiago (cocheiro e cozinheiro): Sim, se vós me
derdes dinheiro para isso.
Harpagão: Que diabo, sempre dinheiro! Parece que não
sabem dizer mais nada: “Dinheiro, dinheiro, dinheiro”. Ah!, é a única palavra
que têm na boca: “Dinheiro”. Sempre a falar de dinheiro. É o ai-jesus deles,
dinheiro!
Valério (secretário): Nunca vi resposta tão impertinente
como esta. Qual é o espanto de se conseguir preparar uma boa refeição com muito
dinheiro: é a coisa mais fácil do mundo, e não há pobre de espírito que não
seja capaz de o fazer; mas, para se mostrar um homem habilidoso, terá antes de
falar em preparar uma boa refeição com pouco dinheiro.
Mestre Tiago: Uma boa refeição com pouco dinheiro!
Valério: Sim.
Mestre Tiago: Por minha fé, Senhor secretário, ireis ter
a amabilidade de nos mostrar esse segredo, e de assumir o meu ofício de
cozinheiro; até porque também gostais de ser o faz-tudo nesta casa.
Harpagão: Calai-vos. Do que vamos precisar?
Mestre Tiago: Está aí o Senhor secretário, que vos preparará
uma boa refeição com pouco dinheiro.
Harpagão: Mau! Quero que me respondas.
Mestre Tiago: Quantas pessoas serão à mesa?
Harpagão: Umas oito ou dez; mas só precisa de contar com
oito; quando há de comer para oito, também há para dez.
Valério: É evidente.
(…)
Molière, in “O Avarento”, trad. Alexandra Moreira da
Silva, Edições Húmus, Julho de 2011.
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