terça-feira, 16 de abril de 2024

O AVARENTO

 


Um pai avarento, de nome Harpagão, quer arranjar casamentos proveitosos para o filho, Cleanto, e a filha, Elisa, que estão apaixonados por quem não deviam. Cleanto, pela jovem rapariga que, interesseiramente, o próprio Harpagão, muito mais velho, quer desposar. Tudo por interesse material. A certa altura, Acto III, Cena I, discute-se um banquete:
 
(…)
Harpagão: Ora diz-me lá, és capaz de nos preparar uma boa refeição?
Mestre Tiago (cocheiro e cozinheiro): Sim, se vós me derdes dinheiro para isso.
Harpagão: Que diabo, sempre dinheiro! Parece que não sabem dizer mais nada: “Dinheiro, dinheiro, dinheiro”. Ah!, é a única palavra que têm na boca: “Dinheiro”. Sempre a falar de dinheiro. É o ai-jesus deles, dinheiro!
Valério (secretário): Nunca vi resposta tão impertinente como esta. Qual é o espanto de se conseguir preparar uma boa refeição com muito dinheiro: é a coisa mais fácil do mundo, e não há pobre de espírito que não seja capaz de o fazer; mas, para se mostrar um homem habilidoso, terá antes de falar em preparar uma boa refeição com pouco dinheiro.
Mestre Tiago: Uma boa refeição com pouco dinheiro!
Valério: Sim.
Mestre Tiago: Por minha fé, Senhor secretário, ireis ter a amabilidade de nos mostrar esse segredo, e de assumir o meu ofício de cozinheiro; até porque também gostais de ser o faz-tudo nesta casa.
Harpagão: Calai-vos. Do que vamos precisar?
Mestre Tiago: Está aí o Senhor secretário, que vos preparará uma boa refeição com pouco dinheiro.
Harpagão: Mau! Quero que me respondas.
Mestre Tiago: Quantas pessoas serão à mesa?
Harpagão: Umas oito ou dez; mas só precisa de contar com oito; quando há de comer para oito, também há para dez.
Valério: É evidente.
(…)
 
Molière, in “O Avarento”, trad. Alexandra Moreira da Silva, Edições Húmus, Julho de 2011.

Sem comentários: