quinta-feira, 1 de agosto de 2024

FÓSSIL

 

Sobre o balcão, as máquinas de cápsulas foram dispostas pelo tipo de brindes que forram as paredes: chocolates, isqueiros, canivetes, porta-chaves, colunas de som sem fio nem pio. À mesa, os velhos batem cartas, comentam os dias regados a medronho, enquanto pelas bermas da estrada os trabalhadores rurais caminham lentamente. O sol pesa-lhes sobre os ombros. As estufas estão agora entregues ao silêncio dos frutos que já nada têm de silvestres, domesticados pelos chicotes do mercado de exportação. Silvestres são talvez as maçãs ali depenicadas por bandos de charnecos que saltam de galho em galho, da figueira para a nespereira, desta para as parras destratadas onde cachos de uvas crescem a esmo. Silvestre é o ninho de cegonha branca na falésia da Amália, a echeveria secunda que medra pelos caminhos sem carecer de cuidados. Rosas de pedra, diz alguém para quem cada pedra respira como um animal selvagem. Brindes que não saem nas máquinas de cápsulas. Há 20, 30 anos, a moda era comprar montes no Alentejo, recuperar as casas ao abandono, algumas em ruínas, e fazer segundas habitações para férias e descanso. As ruínas agora são de outro tipo, ainda que aqui e acolá espreitem montes apetecíveis a preços incomportáveis. São ruínas de plástico, estufas desactivadas, esqueletos de negócios falidos a aguardar novos investidores do fruto vermelho. São ruínas humanas, batem cartas, comentam os dias, observam os trabalhadores pelas bermas das estradas.
 
Samoqueiro, 1 de Agosto de 2024.

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