sexta-feira, 2 de agosto de 2024

A SANGRADA FAMÍLIA

 


Fala Manuel Monteiro:
 
   É o que é. Os homens tornam-se herbívoros por causa dos filhos. Dos caminhos dos filhos. E os filhos tornam-se carnívoros por causa dos pais. A família é um lugar perigoso. Uma ode à carnificina. Uma matilha que se come a si mesma.
 
p. 77.
 
   A família é um convite à estupidez e à carnificina. Um arquipélago de perigos, castigos, traições, noites mal dormidas. Já vão ver o que vai acontecer quando eu começar a raspar as possibilidades. Sangue a espirrar, como numa matança.
 
p. 107.
 
Fala Filomena:
 
   — Azar. Uma filha é a nossa última hipótese. Assim que ela nascer, podemos esquecer-nos integralmente de nós. Das nossas necessidades e vontades, de quem somos, das nossas ideias e pensamentos, dos nossos medos e frustrações. Vamos apagar, delete, anular o eu e o outro. É assim que as pessoas aguentam isto, Teodoro. Em prol da continuidade da espécie, da saga familiar. A família é um arquipélago de aniquilações.
 
p. 113.
 
Sandro William Junqueira, in A Sangrada Família [Um drama pouco burguês], Caminho, Junho de 2021.

Sem comentários: