quinta-feira, 8 de agosto de 2024

PLUS I AVOIDED TAX

 
(…)
Oh help me listen to me — please — please —
turns out I rounded up these Palestinian refugees —
shot all the young men against a wall
then the next day couldn’t remember anything about it at all!
Not only that but when I clicked on the news
they were saying I’d massacred over six million Jews!
burned whole forests! — broke faith! — spat at the poor! —
trashed the planet — started an endless illegal war
PLUS I AVOIDED TAX!!!
(…)
 
Martin Crimp, in “In the Republic of Happiness”, Faber and Faber,  p. 64, 2012.
 
Uma sátira da vida moderna com ressonâncias formais d’ “A Divina Comédia”, de Dante, citada em epígrafe na terceira parte. Comecemos pelo Inferno, as relações familiares plasmadas num jantar de Natal caótico. Lembramo-nos de “A Festa”, de Thomas Vinterberg, ainda que no caso presente as atenções não estejam inteiramente voltadas para o patriarca. Pai, mãe, duas filhas, uma delas grávida de pai desconhecido, avô demente, avó, e a visita inesperada do tio e da tia. Começamos logo bem, com a “Destruição da Família” enquanto refúgio contra a solidão, lugar de protecção, fonte principal de felicidade. Ou seja, a destruição de uma concepção conservadora e tradicional da instituição familiar. Segue-se o Purgatório, com as “Cinco Liberdades Essenciais do Indivíduo”: 1. A liberdade de escrever o guião da nossa própria vida; 2. A liberdade de afastar as pernas (nada de político); 3. A liberdade de experimentar traumas horríveis; 4. A liberdade de abandonar tudo e seguir em frente; 5. A liberdade de parecer bem e viver para sempre. Parece o título de um livro de auto-ajuda, com as suas respectivas cinco secções de aconselhamento familiar. Entram em campo os psicólogos, a terapia de casal, os conselheiros conjugais. O fio narrativo foi à vida, estamos na chaise longue do consultório, na clínica do psiquiatra, no confessionário. As personagens foram estilhaçadas e ouvimos apenas um coro de auto-obsessões, sonhos delirantes, fixações, frustrações, lugares-comuns e ideias feitas de um mundo submetido à tirania do eu, o eu belo, o eu bem, o eu deslumbrante, o eu do sucesso. Por fim, no Paraíso, isto é, “Na República da Felicidade”, o tio Bob e a mulher, Madeleine, são Dante e Beatrice sem ideologia nem misticismo. Há canções pelo meio. No topo, a estrofe de uma delas.

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