sábado, 10 de agosto de 2024

UM PROBLEMA

 


Esta fotografia é de 2019. Uma pequena habitação a servir de albergue para dezenas de imigrantes, mão-de-obra barata no negócio das estufas. Passa-se um pouco disto por todo o país, mas o cenário em Odemira é especialmente preocupante. Uma bomba relógio, dirão os catastrofistas. É um problema, sem dúvida, mas para ser verdadeiramente um problema há que reconhecer a existência do problema. O discurso racista da extrema-direita só o agrava, na medida em que captura a esquerda na defesa de direitos básicos e fundamentais. Mas ninguém pode alhear-se do que ali se passa, ninguém pode fingir que não existe um problema que tem na sua origem o mesmo de sempre: a ganância. E com ela, o medo. Em qualquer café que se entre, o tema é central. Contam-se histórias absurdas de gente que mudou de localidade por sentir medo dos imigrantes, mesmo reconhecendo que nunca lhes fizeram mal. Este tipo de medo do diferente, do outro, é natural, mas só existe enquanto olharmos para o outro como um outro. Ali, um lesado do BES nunca teve medo dos banqueiros que lhe ficaram com as poupanças, acolá um pai nunca sentiu medo de um filho que o roubou e ameaçou de morte. O militar reformado que atacou duas jovens em Castelo de Vide, alegadamente com intenção de as violar, nunca terá inspirado medo na população local como inspiram os nepaleses, os indianos, os cingaleses, os bengaleses. Estes são pobres. Logo, metem medo. Os ingleses podem destruir bares em Albufeira que vão continuar a ser recebidos como lordes, os asiáticos que trabalham nos campos estão obrigados a outro tipo de comportamento. Vivem isolados, ou porque querem ou porque a tal são obrigados. Haverá histórias para todos os gostos, mas cada história isolada não é suficiente para a compreensão do problema como um todo. Em Malhadais o dono de um café queixa-se dos negócios fantasma, como esses restaurantes e minimercados espalhados por São Teotónio com centenas de empregados e sem clientes. E dos alugueres de luxo, casas que ninguém queria onde vivem dezenas de trabalhadores a pagar por uma cama um mês de renda. Todos ganham com o negócio, excepto os que não têm nada que ver com o negócio. E as autoridades? Alegadamente sabem dos esquemas e nada fazem, com a agravante de os autarcas se comportarem como latifundiários, coronéis donos e senhores das terras. Inoperantes face aos problemas, temíveis para quem se queixa. Porque quem se queixa teme vir a sofrer represálias. Foi este o ambiente que encontrei entre Zambujeira do Mar, o paraíso dos festivais para o qual se deslocam dezenas de jornalistas transformados em publicitários, e Odeceixe, a vila que é notícia quando há incêndios. Temos ali um problema. O racismo, que existe, só tenderá a agravar-se enquanto a raiz do problema não for tratada. E a raiz está como quase sempre está na regulamentação e fiscalização do trabalho, de todo um conjunto de actividades relacionadas com a exploração de mão-de-obra. Só atacando aí se poderá tratar a raiz do problema, mas quase ninguém está disposto a atacar aí porque isso significaria pôr em causa toda uma economia de interesses e interessados. É o mercado a regular-se a si mesmo.

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