"Por Este Rio Acima", Fausto
2024 foi o ano em que perdemos Fausto. Outras razões não houvesse, a trilogia iniciada com “Por Este Rio Acima” (1982), continuada com as “Crónicas da Terra Ardente” (1994) e finalizada com “Em Busca das Montanhas Azuis” (2011) seria mais do que suficiente para o lembrarmos pela eternidade dentro. Anda estranho o tempo, tudo parece para ontem, fugaz, efémero, tudo passa num instante e a gente nem dá por isso. As horas não têm a mesma lentidão, a pressa de chegar não sei onde acelerou-nos os dias, andamos todos numa correria danada para não sei que metas e objectivos e fins. Vejo as pessoas cansadas, vejo-as com olheiras de saturação a desenharem grandes sombras, eu próprio ando para aqui a pensar que ainda amanhã foi já ontem. Dantes não era assim, havia um vagar nas coisas e os mortos perduravam vivos mais do que esta sensação de agora ter sido há um século. Há dias, olhando para os que me morreram, parecia que tinha vivido mil anos dentro destes 50 parcos que foram, são, eram. Não sei se também deram por isso, mas este ano nem chegou a ser e... foi-se. É como se andássemos para aqui a singrar num útero em que não ata nem desata, uma pessoa nasce morta e vai-se desta sem sequer haver sido parido. Há em tudo uma transitoriedade cada vez mais acentuada. Regressar a Fausto ajuda-nos a retomar a “Peregrinação”, transporta-nos pela “História Trágico-Marítima”, aviva-nos a consciência de que já lá vão uns séculos valentes de história. Não sei se viemos ao mundo para outra razão, mas talvez esta de adiar os dias, protelar as horas, conquistar a lentidão demorada de um pensamento em espera, talvez esta seja uma boa razão. Sento-me, portanto, a degustar a trilogia: «Vou no espantoso trono das águas / Vou no tremendo assopro dos ventos / Vou por cima dos meus pensamentos».
Sem comentários:
Enviar um comentário