“Mezzanine”, Massive Attack
A música também nos salva, a música salva-nos mais do que
qualquer outra coisa, a música é a água do espírito, o maná que nos consola na
travessia do deserto, a música é tábua de salvação no naufrágio quotidiano, a
música é poesia que nos mete a dançar a alma, a música oferece corpo à alma, a
música embala os ritmos do coração e eleva-nos acima desta condição precária em
que definhamos diariamente, a música, a música, a música… O que seria de nós
sem música? Lembro-me dos Massive Attack no então Pavilhão Atlântico, digressão
de “Mezannine” (1998), e de como ali fui respirar nessa viragem do século
quando já o ar rareava. Quase trinta anos depois, 25 mais 2, cá estamos a (re)entreter
as palavras com “Blue Lines” (1991). A crítica engavetou-os no trip hop que
nesse final de século surgiu em amena rivalidade com o rock de guitarras, mas
eles nunca aceitaram o rótulo. Hoje, o projecto musical de Robert “3D” Del Naja
(dizem, disseram, que podia ser Banksy) e de Grant “Daddy G” Marshall resiste
aos rótulos, incorporando melodias pop, guitarras rock, ambientes góticos,
ritmos electrónicos, numa cativante conjugação de processos e procedimentos que
resulta em momentos maravilhosos como esses em que brilham as vozes de Sinéad O’Connor,
Shara Nelson, Elisabeth Frazer, Tricky, Nicolette, Horace Andy. Há dias,
voltava a escutar “100th Window” (2003) e constatava como tão estupidamente
poucas vezes o ouvi, é um disco humano, demasiado humano, paradoxalmente
sabotador destas veias transformadas em cabos de rede que paulatinamente nos
vão convertendo em robôs, animais amestrados, máquinas instruídas remotamente
por algoritmos e inteligência artificial.

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