domingo, 31 de agosto de 2025

AINDA COM HAROLD PINTER

Se tiver que falar, prefiro falar de maneira prática sobre assuntos práticos, mas isto não passa de um desejo ingénuo visto que, quase sem dar por isso, acabamos sempre por nos pôr a teorizar. E eu desconfio da teoria. Em nenhum dos ramos do teatro em que tenho trabalhado, e para além de escrever trabalhei bastante como actor e um pouco como encenador, achei que a teoria me fosse, enquanto tal, de algum auxílio; quer para mim quer, reparei, para alguns dos meus colegas. O melhor tipo de relação de trabalho em conjunto no teatro consiste, a meu ver, numa espécie de estenografia errática e cambaleante, pela qual os factos se perdem, através da qual se esbarra neles, são procurados às apalpadelas e de novo encontrados. Conheço um excelente encenador que, segundo consta, nunca disse uma frase completa. Possui uma tal segurança instintiva e um tal poder, quase subliminal, de comunicação, que os actores reagem às suas palavras mesmo antes de ele as ter dito.

Harold Pinter, Várias Vozes, tradução de João Paulo Esteves da Silva, Quasi Edições, Maio de 2006, p. 46.

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