AS MÃOS DA MINHA MÃE
1.
só há dias reparei que as mãos
da minha mãe se transformaram
nas da minha avó não sei
não sei quando aconteceu
até chegar àquela pele fina
dedos quebradiços
deve ter levado anos
mas para mim ocorreu assim
num segundo
um dia mãos de mãe
e no seguinte mãos de avó
inesperada borboleta
2.
a avó tinha essas mãos
todas tão brancas
só riscadas pelo azul
das veias ribeiros
debaixo da pele
tão fina que translúcida
manchada pelos anos
uma pele tão gélida a olho nu
que não deixava antever
o toque de seda daqueles dedos
3.
nesse dia quando olhei
os olhos da minha mãe
já não a vi só a ela
era várias gerações
era a avó dela e a avó da avó dela
pessoas que nunca conheci
mas que via agora ali perfeitamente
um misto de mãe e avó
que saudades da avó
4.
acho que foi tudo planeado
saúdo-lhe a subtileza
um aviso da minha mãe
de que estava pronta para ser avó
como não haveria de estar pronta
se já tinha aquelas mãos
Luís A. Fernandes, in O que nunca mais recuperamos, Prémio de Poesia de Oeiras 2023 / Revelação, Os Livros de Oeiras, Outubro de 2024, pp. 39-40. Luís A. Fernandes nasceu em Almeida, no ano de 1989, e viveu até à idade adulta na Guarda. Formado em Direito, vive e trabalha em Lisboa. Publicou poemas dispersos em revistas como a Ler, Eufeme ou Nervo. Alguns dos poemas deste livro, ou versões prévias dos mesmos, foram publicados nessas revistas, bem como nas plataformas online Gazeta de Poesia Inédita, A Bacana ou Txon.

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