sábado, 30 de agosto de 2025

UM POEMA DE LUÍS A. FERNANDES

 


AS MÃOS DA MINHA MÃE

1.
só há dias reparei que as mãos
da minha mãe se transformaram
nas da minha avó não sei

não sei quando aconteceu
até chegar àquela pele fina
dedos quebradiços

deve ter levado anos
mas para mim ocorreu assim
num segundo

um dia mãos de mãe
e no seguinte mãos de avó

inesperada borboleta

2.
a avó tinha essas mãos
todas tão brancas
só riscadas pelo azul
das veias ribeiros
debaixo da pele

tão fina que translúcida
manchada pelos anos
uma pele tão gélida a olho nu
que não deixava antever
o toque de seda daqueles dedos

3.
nesse dia quando olhei
os olhos da minha mãe
já não a vi só a ela

era várias gerações
era a avó dela e a avó da avó dela
pessoas que nunca conheci
mas que via agora ali perfeitamente

um misto de mãe e avó
que saudades da avó

4.
acho que foi tudo planeado
saúdo-lhe a subtileza

um aviso da minha mãe
de que estava pronta para ser avó

como não haveria de estar pronta
se já tinha aquelas mãos

Luís A. Fernandes, in O que nunca mais recuperamos, Prémio de Poesia de Oeiras 2023 / Revelação, Os Livros de Oeiras, Outubro de 2024, pp. 39-40. Luís A. Fernandes nasceu em Almeida, no ano de 1989, e viveu até à idade adulta na Guarda. Formado em Direito, vive e trabalha em Lisboa. Publicou poemas dispersos em revistas como a Ler, Eufeme ou Nervo. Alguns dos poemas deste livro, ou versões prévias dos mesmos, foram publicados nessas revistas, bem como nas plataformas online Gazeta de Poesia Inédita, A Bacana ou Txon.

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