Como o peixe de aquário no livro de Bernardo Fortuna, também eu me dedico a observar os comportamentos humanos ziguezagueando entre o previsível e a perplexidade. Sucede que eu sou o meu próprio aquário, o que, reconheça-se, não desmente a tese central de “O Grande Ato” (CISMA - Associação Cultural, 2024): «cada um traça os pensamentos do outro partindo de si» (p. 60). Evitemos, portanto, julgamentos, são sempre mais reveladores dos nossos próprios preconceitos do que dos vícios ou das virtudes alheios. Observar os outros sabendo que só a morte voluntária nos roubará a nós próprios, traz-nos essa consciência terrível com a qual o instinto de sobrevivência se debate diariamente: estamos definitivamente encurralados em nós próprios, constatação de uma liberdade a partir de então altamente relativa. «Não me escapo» (p. 90). A esperança de sair de si que o peixe acarreta não é distinta da esperança de sair de si que qualquer criador alimenta com as suas criações. Andar por aí a observar os outros, ultrapassar fronteiras ao encontro do diverso, sentir-lhe os cheiros, descobrir-lhe as formas, reconhecê-lo pelo tacto ou ser surpreendido por um estímulo de um dos sete sentidos humanos menos informado, redunda quase invariavelmente na sensação de que entre nós e os outros não há grande diferença e, com o passar dos séculos, das eras, pode a paisagem mudar, podem novos edifícios ser erguidos, mas a debilidade essencial de tudo quanto é perecível, incluindo as pedras, torna evidente a sujeição ao tempo. Não há grande diferença, mas a distância é incomensurável. E isso imprime uma certa tristeza, talvez até um certo tédio ou melancolia, no acto de viver. As nossas ossadas serão a ruína do templo ou do teatro romano que, por turismo ou devoção, os vindouros visitarão para que "a morte do passado", expressão em si mesma redundante, os faça sentir vivos no presente, tal como hoje quando entramos numa catedral ou num museu e nos deslumbramos com a exposição do que foi, buscando explicações nas legendas que nos contam a história reinventando-a. Existir é um passeio sobre ruínas, viver é um banquete necrófago. Um peixe num aquário, cindido às suas rotinas e às contingências do tratador, pode ser uma bela metonímia da condição de cada ser humano neste mundo. Neste caso é, a despeito de excessos vocabulares ou da ausência de recortes num estilo quer há-de ser depurado. Para já, o que importa é ressalvar a força do exemplo proposto: «No meio desta água encontraremos maneira de trovar um sinal que se faça claro. Um soar que soe a algo. Um nadar que seja mais que nada.»

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