Odeio este tempo detergente, dizia o outro
E eu, concordando, meto-me a chocalhar o tempo
na esperança de que faça espuma e da espuma
possa soprar alianças que se desfaçam no ar
Mas nada disto resulta, nem o tempo é o que foi
nem eu sou quem sou, nem Belo existe já
O tempo, este tempo, é uma coisa conspurcada
com cheiro a mofo e eu um entre muitos
a sacrificar a vida pelo salvo-conduto que deixe
em paz a consciência e limpas as mãos
Estamos fodidos, é o que é, não mais nem menos
do que sempre estivemos. E, todavia, é nossa
esta vida que dói e é na nossa carne que reclama
e é no sistema nervoso de cada um que o ódio
se curto-circuita. Verdadeiramente, não é o tempo
o que mais odeio, nem este nem outro antes deste
e muito menos aquele que virá com ou sem mim
O que mais odeio é não ter paixão no odiar, é ficar
à espera do amor como de um milagre, é não ter
vontade sequer de odiar, é esta vida de luto sem fim
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