segunda-feira, 29 de setembro de 2025

UM POEMA DE GISELA CASIMIRO

 


ÁRVORES

Quando enforcavam negros
eles baloiçavam nos ramos do
carvalho — os pés não tocavam
o chão.

Quando eu era criança
baloiçava nos ramos do
salgueiro - os pés não tocavam
o chão.

Quando escolhiam árvores
elas nunca podiam decidir 
— os negros também não.

Quando eu era criança
coleccionava espanta-espíritos
e Deus falava no vento.

Quando leio Alice Walker
a música é prece e mapa
— Deus fala no livro.

Quando leio Toni Morrison
sou a voz e não o boneco
do ventríloquo.

Quando afago as rastas
de Alice Walker o chicote
não quebra a costela.
Ao espírito também não.

Quando voo nas rastas
de Toni Morrison
elas não tocam o chão.
A dignidade também não.

Agora já não enforcam negros
porém só às árvores deixaram
em paz.

A paz de não reparar
só é comparável
à de nunca ter sabido.
Mas eu prefiro saber
e prefiro ter sido.

Agora só colecciono pessoas,
mas ainda sou negra.

Da campa fiz a casa.
Das mãos, páginas.
A Deus, perdoo.
Aos negros, sorrio.
Às árvores, subo-as.

Gisela Casimiro, in Giz, Editora Urutau, 2023, pp. 28-30.

Sem comentários: