segunda-feira, 20 de outubro de 2025

ELOGIO DO MORTO


Este ninguém sabe quem foi
andou pela vida aos trambolhões
dormindo onde calhava
comendo as sobras dos outros
tapando as carnes com lixo
 
Diz-se que veio das áfricas
já meio fora de si
mas ninguém sabe ao certo
se foi por traumas que aqui
chegou para daqui
não mais sair
 
Teve a vida que teve
como de resto todos os mortos
e não fez mal senão a si mesmo
se assim podemos falar
 
De bem também não se lhe
conhecem feitos
apenas uma ou outra velha
ajudada com as compras
a troco de carcaças e maçãs
 
Ignorá-lo na morte
depois de o terem ignorado na vida
talvez seja o melhor elogio
que lhe possa ser feito
 
Agora que está morto é esperar
que definitivamente desapareça
o seu perfil nas páginas do tempo
ou que alguém preencha a cores
os contornos transparentes do seu corpo

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