segunda-feira, 6 de outubro de 2025

REALIDADE

 



(...) Se se pode falar da dificuldade de saber o que é que de facto aconteceu ontem, pode-se, parece-me, tratar o presente da mesma maneira. O que é que se passa agora? Não o saberemos até amanhã ou daqui a seis meses e não vamos saber nessa altura, ter-nos-emos esquecido, ou a nossa imaginação terá atribuído características bem falsas ao dia de hoje. Um momento é sugado e distorcido, muitas vezes precisamente quando nasce. Todos interpretamos uma experiência comum de modos bem diferentes, embora prefiramos subscrever a ideia de que há um terreno comum que partilhamos, um terreno conhecido. Acho que há mesmo um terreno comum que partilhamos, mas que é mais parecido com areias movediças. Porque «realidade» é uma palavra forte e firme temos tendência a pensar, ou a esperar, que o estado a que se refere é igualmente firme, estabilizado e inequívoco. Não parece sê-lo e, na minha opinião, não é melhor nem pior por causa disso.


Harold Pinter, in Escrever Para Teatro, discurso proferido no Festival Nacional de Teatro de Estudantes em Bristol, 1962, trad. Francisco Frazão, incluído em Várias Vozes, Quasi Edições, Maio de 2006, p. 27.

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