De braço dado com
Rosaura, depois de ler "Calderón", de Pier Paolo Pasolini: O problema
é que agora os operários já não operam, colaboram, e de rabinho a dar a dar,
ajoelham-se e oferecem a patinha em troco de um biscoito. Arreganham os dentes
uns aos outros, mas lambem as fuças aos donos. Podíamos meter fé nos
estudantes, mas esses também já não estudam. Registam-se, transferem dados,
aplicam-se no inglês para saberem o significado de scroll enquanto depositam o
futuro no algoritmo mágico. Portanto, nem pelos operários nem pelos estudantes
a revolta virá. Mendigos, bêbados, putas e loucos continuarão loucos, putas,
bêbados e mendigos, indefesos e desarmados como pangolins. O que nos sobra? A
pena murcha dos escritores? Ganhem juízo. Amorfas, mas com inscrição no
ginásio, letárgicas, mas seguidas pelo psiquiatra, rendidas ao espectáculo e ao
consumo, as multidões aí estão sob o comando digital das modas e das
tendências. O que olham fixamente diante de si? As suas próprias vidas
desalmadas enquanto se interrogam onde estão, meu deus, onde estão, e que mundo
é este em que acordamos sem darmos por isso e deixámos de sonhar para poupar
nas despesas? Ainda se vêem ao espelho, mas já só para disfarçarem o rosto que
não reconhecem.
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