sábado, 20 de dezembro de 2025

UM POEMA DE RICARDO MARQUES

 


XIX

Como Prometeu no cimo da pedra
sinto agora a compaixão fraterna pelos homens
sinto a minha solidão e impotência
e acima de tudo sinto muito.

Por maior que tenha sido a civilização
apenas as ruínas restarão

um edifício de múltiplos andares
a que fomos pondo peças e tirando cores
adaptando ao estipo da épica

as estátuas não terão cabeça nem cintura
aquela musa não terá boca e será muda
nos dedos que lhe faltam não tocará harpa
nenhuma

E por entre inúmeras outras conjecturas
farão a análise destes textos os argonautas
e os hermeneutas
inventando palavras para o que acharam
e não compreenderam
mostrando uma vez mais que a centelha
só é divina e por isso extingue-se

Aqui chegado, no entanto
reafirmo uma vez mais:

As pedras serão cinéticas
se rolarem e ruírem tão lentamente
quanto prometem

As palavras serão armas
se apedrejarem tão depressa
quanto nos mentem

Lápides lintéis lucernas
Mármore argila cimento

não serão nada perante
o sol o sal e o vento

 e é para isso que o mundo
(não o homem)
será criado

(Mérida - Gaza - Kiev, 13.9.2024)

Ricardo Marques, in Cinético, não (edições), Novembro de 2025, pp. 36-37.

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