XIX
Como Prometeu no cimo da pedra
sinto agora a compaixão fraterna pelos homens
sinto a minha solidão e impotência
e acima de tudo sinto muito.
Por maior que tenha sido a civilização
apenas as ruínas restarão
um edifício de múltiplos andares
a que fomos pondo peças e tirando cores
adaptando ao estipo da épica
as estátuas não terão cabeça nem cintura
aquela musa não terá boca e será muda
nos dedos que lhe faltam não tocará harpa
nenhuma
E por entre inúmeras outras conjecturas
farão a análise destes textos os argonautas
e os hermeneutas
inventando palavras para o que acharam
e não compreenderam
mostrando uma vez mais que a centelha
só é divina e por isso extingue-se
Aqui chegado, no entanto
reafirmo uma vez mais:
As pedras serão cinéticas
se rolarem e ruírem tão lentamente
quanto prometem
As palavras serão armas
se apedrejarem tão depressa
quanto nos mentem
Lápides lintéis lucernas
Mármore argila cimento
não serão nada perante
o sol o sal e o vento
e é para isso que o mundo
(não o homem)
será criado
(Mérida - Gaza - Kiev, 13.9.2024)
Ricardo Marques, in Cinético, não (edições), Novembro de 2025, pp. 36-37.

Sem comentários:
Enviar um comentário