Não faço a mínima ideia de quem sejam Jorge Roque e Catarina Herdeiro, mas isso não tem qualquer importância. Suponho que não haja nada de comum entre os dois, a não ser o facto de terem publicado estes dois livros de poesia, duas edições de autor, e de eu os ter adquirido na mesma livraria: a Assírio & Alvim dos cinemas King. O de Jorge Roque custou-me 50 cêntimos. Há mais de onde ele veio, numa banca com saldos junto à prateleira dos filmes. Intitula-se O chão serviu-lhe de céu e foi publicado em 1999. São 22 poemas em prosa, alguns bastante curtos, povoados por uma espécie de necessidade catártica: «Choro, mas nenhum sentido ilumina o meu choro», «...deitar fora o teu nome como o cigarro que esmago no cinzeiro». Há uma terapêutica do abandono que, ficando por cumprir nas palavras, encontram no poema a sua morte: «O tiro atingiu o pássaro em pleno voo. O chão serviu-lhe de céu». Já o livro de Catarina Herdeiro é bem diferente. Curtas Metragens Poéticas. 19 (2003), do qual se fizeram apenas 76 exemplares, serviu de base a uma instalação co-criada com André Sier na última Bienal de Cerveira. Daqui se depreende uma forte componente imagética nos poemas que compõe este livro, muitos deles com dedicatórias que assumem as vozes que aí ecoam: António Ramos Rosa, Herberto Helder, Jorge Luís Borges, entre outros. Acompanhados de algumas imagens, os poemas são, por si só, bastante visuais, mesmo quando resvalam para uma torrente mais reflexiva: «a fé desculpem meus senhores / só tem existência concreta depois da pancada seca / (...) depois da morte a horas tardias acontecemos para as coisas / apresentamo-nos à vida com o ticket que já foi chamado / (...) o poema é então oralidade do universo / (...) o poema é um funcionário de imagens e raízes / sem muita burocracia coisa própria de bibliotecas (...)» (in uma criança sentada entre palavras de uma arte poética) Porém, aquilo que há de mais forte nestes textos parece-me ser a verbalização do sujeito em múltiplas formas: lapisam-me, arbusto-me, violetar-me, alarajam-se, poemo-me. Cada um destes actos contém um programa de “analfabetização da intuição” que remete para uma liberdade extrema, onde o poema se alicerça e constrói um sentido único e irredimível.
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