Confesso ter sido este o meu primeiro contacto com a poesia de Manuel Afonso Costa (n. 1949), que, segundo me foi possível saber, publicou apenas um outro livro de poesia, intitulado Os Limites da Obscuridade (Caminho, 1991). Note-se que, a serem verdadeiros os dados disponíveis, do primeiro para o segundo livro vai um hiato de treze anos. Não sabemos quais as razões que motivaram tal suposto silêncio nem nos interessa especular sobre o assunto, mas não deixa de ser um facto curioso de assinalar. Os Últimos Lugares está organizado em três secções que permitem adivinhar um nexo sequencial, ainda que, arriscamos, esse nexo possa ser mais uma consequência duma possível construção de sentido para o leitor do que uma elaboração previamente definida. Assim, na primeira secção encontramos uma espécie de introdução àquele que nos parece ser o problema essencialmente versificado neste livro: a construção de um lugar fora do território das coisas físicas, um lugar para os mortos e para aquilo que aparentemente se perde no «irremediável devir». Onde situar, então, esse derradeiro lugar? Talvez nessa linha dúbia que separa a memória do esquecimento, porque «através do esquecimento / os mortos são sombra iluminada» (p. 20). Assim como «as folhas agitadas pelo vento / procuram um lugar» (p. 25), também nós, no confronto com a morte, o procuramos, para nós e para os outros que por nós vão passando. Observemos «o tempo a passar como um réptil nesses lugares / onde confluem passos e memórias e cigarros» (p. 24) e apercebamo-nos de que o lugar que nos espera é um lugar mobilado pelo passado e por escassas memórias. (Cf. p. 29) Traçam-se, desta forma, as fronteiras desses «últimos lugares», lugares íntimos, lugares de memória, lugares que não deixam morrer. Na segunda secção deste livro, parece consolidar-se essa ideia da memória como lugar de conservação da vida, porque há uma outra morte que não «esta morte terrestre» e «há uma outra terra que é na terra das tuas / veias a promessa de uma luz inteira.» (p. 36) Torna-se-nos assim claro que o esquecimento pode ter vários caminhos, pode transformar-se numa espécie de esquecimento lembrado se o seu lugar for, por exemplo, um poema. Os poemas da última secção deste livro, intitulada Os trabalhos e os dias, são, por isso mesmo, poemas repletos de memória, poemas «com pessoas lá dentro». Essas pessoas podem ser a mãe, o pai, a avó materna do poeta, ou uma mulher que vendia peixe. Mas eles são também poemas polvilhados de imagens passadas, como a imagem de dois corpos à beira do desejo. São, enfim, poemas que lançam «com paixão as sementes para a terra», para essa terra que há pouco mencionávamos, tal como «o pai lançava com paixão as sementes para a terra». (p. 58) Porque há uma espécie de "fatalidade" na memória.
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