Depois da publicação de Biografia (2000) - reunião da obra poética que José Agostinho Baptista (n. 1948) vem edificando desde Deste lado onde (1976) -, o poeta madeirense deu já à estampa mais três títulos, dos quais o mais recente é Esta Voz é Quase o Vento. São poucos os poetas da sua geração, falando em termos meramente biográficos, que fizeram da coerência uma marca de identidade poética fundamental. Talvez possamos afirmar o mesmo acerca de poesias como as de João Miguel Fernandes Jorge (n. 1943), Manuel Gusmão (n. 1945) ou Jaime Rocha (n. 1949). Contudo, pouco ou nada há de comum, do ponto de vista estético, entre estas vozes. Aspecto largamente sublinhado acerca da poesia de José Agostinho Baptista é, precisamente, a sua autonomia face a correntes de estilo e uma independência total, para não dizer isolamento, que a tem colocado à margem de todas as associações simplistas e canonizações redutoras. Faz por isso sentido a comparação desta voz com o espaço geográfico que acolhe o poeta: uma ilha. Como todas as ilhas, também esta tem os seus climas muito especiais, a especificidade que a caracteriza e distingue de todas as outras. Começa desde logo por ser uma ilha cuja relação com a natureza que a envolve assume um papel preponderante: não apenas a do estabelecimento dos ambientes onde se desenrola o discurso poético, mas sobretudo o papel de marcação dos ritmos desse próprio discurso. Desta forma, se a atitude de remeter para espaços geográficos diversos é uma constante (montanhas, promontórios, bosques, vales, desertos, florestas, etc.) também o é essa cadência que colhe a sua regularidade nos fenómenos cíclicos da natureza. É no sol que parte e regressa, nas estações, na transmudação lunar, que vislumbramos a referência máxima da dicotomia que fundamenta toda esta poesia: partir/regressar: «Estás perdido, ouvi ao longe, / à saída da floresta, / estás perdido nos labirintos que te perseguem / durante o sono. // Com a minha mão que ainda arde, escrevo, / esqueço, / sou aquele que parte.» (p. 26) Mas aquele que parte pode também ser um amigo, os amigos, aqueles que nos morrem, aqueles que nos deixam numa atormentada solidão: «Escreve, / com atormentada pluma, / o adeus magoado dos que partiram um dia, / dos que te amaram um dia. // Estás só, finalmente, / estás só para sempre, / estás só como uma flor entre os punhais do / assombro.» (p. 93) Lugar de afectos, esta poesia é sobretudo notável pela forma como canta o sentimento de perda. Coberta de uma densa melancolia, como a névoa que cobre a escarpa (ver capa), esta poesia dá vazão à angústia e à solidão com que se fica na espera que define a vida: «Tu esperas que o dia acabe. / Os teus dedos movem-se como as nuvens que / passam nos céus do Oriente.» (p. 9) Essa espera é a espera daquilo que já não pode regressar ou, se regressa, regressa como um «lamento que nos traz o vento»: «Não esperes por mim, meu amor do silêncio. / Esta voz não é pedra, é quase o vento.» (p. 132) Foi António Ramos Rosa quem falou, justamente, desta poesia como um lamento. Mas é também uma espera que adensa a morte como um lugar de possíveis reencontros: «Todos partiram. / Só os amigos me esperam do outro lado do céu.» (p. 108) E, por fim, é a espera pelo viajante que, após a (des)ventura por paragens alheias, resolve regressar às origens: «Eu era o filho único, / aquele que partia na inquietação das vagas e, / perdidamente, / regressava à origem das águas.» (p. 84) No n.º 81 da revista A Phala (2000), inteiramente dedicado a José Agostinho Baptista, José Tolentino Mendonça como que comparou esta poesia a «uma música que é quase o vento». Parece-nos não haver melhor comparação possível.
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