O passado é um mal-entendido. Não vale por isso a pena remexê-lo. Centremo-nos no presente. Pontos Luminosos é, se não lhes perdi o rasto, o segundo livro de Jorge Gomes Miranda (n. 1965) editado este ano, depois de um vigoroso O Caçador de Tempestades (& etc., Abril de 2004). Desta feita, a edição ficou a cargo da Averno – neófito projecto editorial de Manuel de Freitas (n. 1972). Ambos repartem talentos diversos pela crítica literária e pela criação poética. Outra característica os liga: um coeficiente elevado de obstinação, o qual se traduz em sucessivos títulos dados à estampa. No caso de Jorge Gomes Miranda a atitude não é tão indolente como por vezes parece ser a de Manuel de Freitas, mas tem a mesma violência e a mesma atitude de insurreição perante os pressupostos de uma ordem que merece, digo eu, ser fustigada. Saúde-se, portanto, esta ARTE POÉTICA: «Tens que ter sentido medo / angústia, desolação / pois para falar do amor / sem metáforas estivais / é preciso ter vivido em quartos lívidos, / onde um espelho, / um olhar de viés, / um sapato arremessado / prenunciam o poema» (p. 49).
Estamos no campo minado de uma poesia que poderíamos dizer política, possível forma de denúncia de poderes que têm vindo a deixar-se reduzir ao mero teatro das carreiras que se encarregam de desfrutar da destruição, da ruína, dos «restos do que foi a vida» (p. 11) como racionais abutres. «Seremos capazes de atravessar o rio heraclitiano / sem que as matilhas acometam?» (p. 5) – questiona o poeta. Paradoxalmente, depois de se concentrar na denúncia dos tais abutres – chamem-se eles psitacismo televisivo, congregações literárias ou América -, o autor vacila e presenteia-nos com UM CREDO AGNÓSTICO: «Pela memória dos que amaste e morreram, escreves. / Pelo apaziguamento, pela ordem no caos / das impressões e sentimentos, escreves. / À procura do rasto daquilo que foi teu / numa noite, e nunca regressou. // Escreves, ainda que, em certos dias, te pareça / ser essa a mais inútil das actividades, / um credo agnóstico, / prece a ninguém destinada» (p. 44). Convenhamos que é frouxo para uma ética da violência.
Seria bom que depois do grito viesse a gargalhada, jamais o tom lamentoso costumeiro de uma insubmissão que se faz ouvir por bocas saciadas. Não vejo, por isso, razões para não dar razão a António Guerreiro quando acerca deste livro afirma: «A indignação pode ser legítima. Mas nenhuma força que a anima passa para o poema» (Expresso, Actual, 27 de Novembro de 2004). Não obstante, pago de bom grado os meus impostos a esta poesia. Por motivos que, curiosamente, nada devem à atitude beligerante com que o poeta empunha a caneta e, admitamos até, tendenciosamente simplificadora dos alvos a atingir. Os motivos da minha inclinação são semelhante à postura que tenho mantido perante a poesia de Manuel de Freitas: há uma inventariação das misérias do mundo nestes poemas que logra uma dimensão estéticas mais complexa do que aparenta. Aqui o sublime confunde-se com a força moral do conteúdo, convidando o leitor a uma reflexão sobre a razão de ser da maioria dos paradigmas. Sejam eles estéticos, éticos ou outra coisa qualquer.
Há uma dinâmica plástica nesta poesia que passa, por exemplo, pela prática de formas clássicas num contexto discursivo actual, atingindo-se nesses casos efeitos subversivos deveras convincentes. De resto, os diálogos, mais ou menos dissimulados, com os valores de uma cultura, em sentido lato, que parece estar cada vez mais condenada aos tomos da História, denunciam todo um edifício que não pode ser confundido com presunção, pose ou descomedimento literário. Há, sem dúvida, como já denunciou Pedro Mexia, algum «exagero doentio» nesta poesia. Mas é importante relevar que é nesse exagero, nessa paixão, nesse desequilíbrio, que reside o sublime de todo o “poema político”. Porque, como escreve o poeta, «estamos sempre na linha de fogo» (p. 23). E se é para encarar a poesia como uma condição de “sobrevivência”, porque não escrever num “diário” que «os filhos da Revolução / crescem na companhia de antenas hiperbólicas, / bicicletas com três rodas, vigilância democrática» (p. 36)?
Estamos no campo minado de uma poesia que poderíamos dizer política, possível forma de denúncia de poderes que têm vindo a deixar-se reduzir ao mero teatro das carreiras que se encarregam de desfrutar da destruição, da ruína, dos «restos do que foi a vida» (p. 11) como racionais abutres. «Seremos capazes de atravessar o rio heraclitiano / sem que as matilhas acometam?» (p. 5) – questiona o poeta. Paradoxalmente, depois de se concentrar na denúncia dos tais abutres – chamem-se eles psitacismo televisivo, congregações literárias ou América -, o autor vacila e presenteia-nos com UM CREDO AGNÓSTICO: «Pela memória dos que amaste e morreram, escreves. / Pelo apaziguamento, pela ordem no caos / das impressões e sentimentos, escreves. / À procura do rasto daquilo que foi teu / numa noite, e nunca regressou. // Escreves, ainda que, em certos dias, te pareça / ser essa a mais inútil das actividades, / um credo agnóstico, / prece a ninguém destinada» (p. 44). Convenhamos que é frouxo para uma ética da violência.
Seria bom que depois do grito viesse a gargalhada, jamais o tom lamentoso costumeiro de uma insubmissão que se faz ouvir por bocas saciadas. Não vejo, por isso, razões para não dar razão a António Guerreiro quando acerca deste livro afirma: «A indignação pode ser legítima. Mas nenhuma força que a anima passa para o poema» (Expresso, Actual, 27 de Novembro de 2004). Não obstante, pago de bom grado os meus impostos a esta poesia. Por motivos que, curiosamente, nada devem à atitude beligerante com que o poeta empunha a caneta e, admitamos até, tendenciosamente simplificadora dos alvos a atingir. Os motivos da minha inclinação são semelhante à postura que tenho mantido perante a poesia de Manuel de Freitas: há uma inventariação das misérias do mundo nestes poemas que logra uma dimensão estéticas mais complexa do que aparenta. Aqui o sublime confunde-se com a força moral do conteúdo, convidando o leitor a uma reflexão sobre a razão de ser da maioria dos paradigmas. Sejam eles estéticos, éticos ou outra coisa qualquer.
Há uma dinâmica plástica nesta poesia que passa, por exemplo, pela prática de formas clássicas num contexto discursivo actual, atingindo-se nesses casos efeitos subversivos deveras convincentes. De resto, os diálogos, mais ou menos dissimulados, com os valores de uma cultura, em sentido lato, que parece estar cada vez mais condenada aos tomos da História, denunciam todo um edifício que não pode ser confundido com presunção, pose ou descomedimento literário. Há, sem dúvida, como já denunciou Pedro Mexia, algum «exagero doentio» nesta poesia. Mas é importante relevar que é nesse exagero, nessa paixão, nesse desequilíbrio, que reside o sublime de todo o “poema político”. Porque, como escreve o poeta, «estamos sempre na linha de fogo» (p. 23). E se é para encarar a poesia como uma condição de “sobrevivência”, porque não escrever num “diário” que «os filhos da Revolução / crescem na companhia de antenas hiperbólicas, / bicicletas com três rodas, vigilância democrática» (p. 36)?
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