Antes de mais, uma palavra para os excelentes desenhos de Tiago Cutileiro que acompanham as duas partes do livro de Zé Luís Costa. 20 Poemas a Anton Webern, datado de 1996, está organizado de uma forma bastante original. Os poemas aparecem intitulados em conjuntos de dois, três, quatro, etc., dando a sensação duma espécie de composição onde cada texto funciona como um acto duma série. São pequenos poemas em prosa, escritos numa tonalidade geral de nonsense com um certo pendor surrealista. Repare-se, por exemplo, neste jogo sintáctico que remata logo o primeiro poema: «A cabeça da parede dentro da boca do leão da água» (p. 11). Zé Luís Costa logra assim um estranho efeito de absurdização da realidade, nomeadamente dos gestos quotidianos mais banais. No caso, a «explosão de um cano de água». Anton Webern, compositor austríaco, aparece como personagem central, mas improvável, dos 20 poemas/estórias quase sempre em contexto familiar, quotidiano, banal. É dessa banalização que irrompe o absurdo, isto quando ela própria não é o absurdo em si, pois nada se passa e nada é novidade: «Nenhuma novidade. O teatro está fechado. Hoje, Webern assobia sob uma oliveira. Em cima 50% céu, em baixo 50% chão» (p. 22). A segunda parte deste livro, intitulada Aventuras, data de 1997. Mantém o mesmo estilo de composição, alteram-se as personagens. O nome do músico austríaco dá lugar a gente anónima: uma velha no Cabo da Roca, um homem sozinho, algumas pessoas numa jangada, um grupo de mineiros, os pássaros durante a viagem: «Muito compactados, os pássaros chocavam e empurravam-se uns aos outros para a frente. O pico da montanha mais alta ficava a milhares e milhares de quilómetros abaixo» (p. 72). Este pequeno livro de Zé Luís Costa, julgo que o primeiro, é uma das boas surpresas de 2005. Ficaremos atentos a próximas investidas, com ou sem Webern no título de capa.
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