Já anteriormente me confessei «fã absoluto de Steven Spielberg». Talvez eu seja um sentimental, talvez aprecie filmes populares (não necessariamente populistas), talvez vá ao cinema mais para sentir do que para pensar. Talvez, talvez, talvez. Porém, o que me levou a apreciar (bastante) o seu mais recente Munich (2005) não tem nada que ver com isso. Abstraiamo-nos das razões políticas, sempre más conselheiras em matérias de arte. Munich aparece depois de um Guerra dos Mundos sobre ameaças obscuras e formas de lidar com o medo. Apesar de o motivo ser factual, o sequestro e a chacina de 11 atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de 1972, a intriga assume contornos tendencialmente ficcionais que apenas convencerão quem se quiser deixar convencer. Temos pois um filme que é mais sobre as consequências trágicas do acto do que sobre a tragédia do acto em si. Mais uma vez, no centro do turbilhão dramático: a família. Tal como outros realizadores de monta, que não são para aqui chamados, Spielberg vive obcecado pelo conceito subjacente à ideia de família. Desta feita, a família aparece enquadrada em planos metafóricos (a família política) e planos realistas (a família biológica), ainda que esses planos muitas vezes se entrecruzem, de forma bastante evidente, na ideia de pátria, na noção de territorialidade que subjaz aos conflitos. De um lado (judaico) e do outro (árabe), o que parece estar em evidência é a noção de territorialidade enquanto família social/cultural/civilizacional. Daí que ambos façam tudo pela sua pátria como se o estivessem a fazer pela sua família. Spielberg opta por filmar os acontecimentos privilegiando os actos em detrimento da eloquência narrativa, o que, por si só, faz deste um dos melhores filmes do autor de Schindler’s List. A depuração dos efeitos, num tom mais realista do que fantasioso, coloca-nos, através do confronto com o personagem central, na situação de alguém que, a pouco e pouco, vai descobrindo não dominar o que julgava ser do seu domínio. Esta perspectiva torna-se, quanto a mim, das mais interessantes do filme, pois a sensação que me provocou foi a de no decorrer da narrativa sentir-me mais dominado por ela do que dominador da mesma. Como aquele grupo de homens, encarregados, sem saberem claramente por quem, de assassinar os supostos autores morais do acto terrorista de Munique, nós vamos a pouco e pouco ficando com a sensação que, no cruzamento obscuro de informações, não sabemos nada do que se passa, somos meros espectadores manipulados pelas tais forças obscuras, as que ficam sempre por explicar, que o filme anterior de Spielberg já esmiuçava. A mim pareceu-me, sobretudo, uma perspectiva sentida e desencantada do mundo da política, onde acima dos valores morais que deveriam mediar os confrontos estão os interesses de “submundos” cujos negócios ficarão sempre por esclarecer aos olhos do espectador comum. Como se a política tivesse deixado de se fazer em nome dos cidadãos, para se fazer antes em nome dos interesses, por vezes tão subjectivos, daqueles que lideram os cidadãos. A História não se repete, ela é o que é. O que muda são os agentes. Onde dantes tínhamos a intriga e a conspiração entre os homens do senado romano, agora temos a intriga e a conspiração entre os homens do senado universal. A globalização tem destas coisas.
sábado, 18 de fevereiro de 2006
MUNICH
Já anteriormente me confessei «fã absoluto de Steven Spielberg». Talvez eu seja um sentimental, talvez aprecie filmes populares (não necessariamente populistas), talvez vá ao cinema mais para sentir do que para pensar. Talvez, talvez, talvez. Porém, o que me levou a apreciar (bastante) o seu mais recente Munich (2005) não tem nada que ver com isso. Abstraiamo-nos das razões políticas, sempre más conselheiras em matérias de arte. Munich aparece depois de um Guerra dos Mundos sobre ameaças obscuras e formas de lidar com o medo. Apesar de o motivo ser factual, o sequestro e a chacina de 11 atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de 1972, a intriga assume contornos tendencialmente ficcionais que apenas convencerão quem se quiser deixar convencer. Temos pois um filme que é mais sobre as consequências trágicas do acto do que sobre a tragédia do acto em si. Mais uma vez, no centro do turbilhão dramático: a família. Tal como outros realizadores de monta, que não são para aqui chamados, Spielberg vive obcecado pelo conceito subjacente à ideia de família. Desta feita, a família aparece enquadrada em planos metafóricos (a família política) e planos realistas (a família biológica), ainda que esses planos muitas vezes se entrecruzem, de forma bastante evidente, na ideia de pátria, na noção de territorialidade que subjaz aos conflitos. De um lado (judaico) e do outro (árabe), o que parece estar em evidência é a noção de territorialidade enquanto família social/cultural/civilizacional. Daí que ambos façam tudo pela sua pátria como se o estivessem a fazer pela sua família. Spielberg opta por filmar os acontecimentos privilegiando os actos em detrimento da eloquência narrativa, o que, por si só, faz deste um dos melhores filmes do autor de Schindler’s List. A depuração dos efeitos, num tom mais realista do que fantasioso, coloca-nos, através do confronto com o personagem central, na situação de alguém que, a pouco e pouco, vai descobrindo não dominar o que julgava ser do seu domínio. Esta perspectiva torna-se, quanto a mim, das mais interessantes do filme, pois a sensação que me provocou foi a de no decorrer da narrativa sentir-me mais dominado por ela do que dominador da mesma. Como aquele grupo de homens, encarregados, sem saberem claramente por quem, de assassinar os supostos autores morais do acto terrorista de Munique, nós vamos a pouco e pouco ficando com a sensação que, no cruzamento obscuro de informações, não sabemos nada do que se passa, somos meros espectadores manipulados pelas tais forças obscuras, as que ficam sempre por explicar, que o filme anterior de Spielberg já esmiuçava. A mim pareceu-me, sobretudo, uma perspectiva sentida e desencantada do mundo da política, onde acima dos valores morais que deveriam mediar os confrontos estão os interesses de “submundos” cujos negócios ficarão sempre por esclarecer aos olhos do espectador comum. Como se a política tivesse deixado de se fazer em nome dos cidadãos, para se fazer antes em nome dos interesses, por vezes tão subjectivos, daqueles que lideram os cidadãos. A História não se repete, ela é o que é. O que muda são os agentes. Onde dantes tínhamos a intriga e a conspiração entre os homens do senado romano, agora temos a intriga e a conspiração entre os homens do senado universal. A globalização tem destas coisas.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário