Galardoado com o Prémio D. Diniz da Fundação da Casa de Mateus, Douro: Pizzicato e Chula, de A. M. Pires Cabral, foi editado pelos Livros Cotovia. O júri era formado pelos escritores Vasco Graça Moura, Nuno Júdice e Fernando Pinto do Amaral. Sobre este livro, informa-nos o seu autor: «Este conjunto de poemas é o rescaldo de uma viagem de barco no Douro, entre o Porto e Barca de Alva, em Setembro de 1999, na companhia de um grupo de poetas (...)». Estamos na presença de um retrato que enquadra uma situação, um cenário e seus respectivos actores. A viagem, ficamos a sabê-lo logo no poema inicial – O navio dos loucos -, deverá ser entendida em duas amplitudes diversas, mas nem por isso antagónicas. Por um lado, é uma viagem «ao encontro da última pergunta / que o Douro porventura guarde ainda / por responder (...)» (p. 13); por outro lado, é uma viagem que permitirá aos poetas «fazer a derradeira tentativa / de também se decifrarem a si mesmos» (p. 13). É célebre a imagem do rio que Heraclito de Éfeso empregou para salientar o devir do mundo. Tal como acontecia no filósofo pré-socrático, de resto evocado na obra de Pires Cabral, igualmente aqui o rio é imagem de mudança, símbolo do tempo que passa pelas coisas marcando o real com seus sinais de ruína. O excelente poema intitulado Rio refém dá disso conta. No entanto, o rio, o rio Douro, é também para o poeta um lugar de memórias, recordações, daí que uma certa nostalgia se instale à sua presença: «Sigo no barco que sobe o rio. Porém / não sinto que subo o rio: / sinto, em vez disso, / que o rio me sobe a mim / por aquela escada mal alumiada, / estreita, poucas vezes varrida, / por que se vai ao sótão / para uma birra ou uma nostalgia» (pp. 17/18). «Por este rio acima, / por este homem abaixo» (p. 59), dirá, mais à frente, o poeta, como que evidenciando essa outra dimensão da viagem, menos “convivencial” do que íntima. «Recurso renovável» de beleza, o Douro é essencialmente «um espelho» que nos faz «um pouco mais humanos, / um pouco menos poetas» (p. 28). Pondo-se à margem daquilo a que chama «transes de lirismo», A. M. Pires Cabral insiste numa poesia apegada à vivência das coisas, à experiência, ao empírico. Os poetas, «ratos» que roem «a parte meramente imaterial» (p. 32), são ínfimos nos gestos e na alma quando defronte ao rio, às encostas, às garças, enfim, à natureza. Daí essa necessidade natural de, rodeado de poetas, reduzir-lhes a importância, que é como quem diz: colocá-los no devido lugar. A melancolia que reveste a viagem interior opõe-se, dessa forma, ao tom irónico, por vezes sarcástico, com que trata «os senhores poetas» (p. 37), os «líricos nautas estouvados» (p. 63), seus pares nessa viagem rio acima. Dois ambientes, Pizzicato e Chula, para, no Fim, tentar «devolver / em vinte laudas aproximadamente / a água ao rio, a vinha aos socalcos, / o voo amplo das garças / aos pauis, / o Douro ao Douro» (p. 64).
Sem comentários:
Enviar um comentário