Las Moradas Inútiles/As Moradas Inúteis é a mais recente colectânea de poemas de José Carlos Barros (n. 1963), poeta nascido em Boticas, distrito de Vila Real, há duas décadas mudado para terras algarvias. O dado biográfico, aparentemente escusado, não é de todo desnecessário quando percorremos os lugares evocados nos poemas deste livro. Mas já lá vamos. Segundo volume da colecção Palavra Ibérica, editada pelo Ayuntamiento de Punta Umbría, As Moradas Inúteis tem como pórtico uma breve introdução de Manuel Moya, responsável pela versão espanhola dos quase cinquenta pequenos poemas agora reunidos. Moya fala-nos de «um poeta da memória», sublinhando que «este livro se apresenta com uma sábia aparência autobiográfica, na qual não se desdenham os elementos geracionais, tangíveis, perfeitamente identificados, mas que entram em conflito com o mundo ancorado na intemporalidade que, embora assumindo a aparência de escombros, como se chega a insinuar num dos poemas do livro, vive não só na memória mas também (o que é ainda mais importante) na identidade do poeta» (p. 11). O que este conjunto de poemas nos sugere, desde logo, é o trabalho de organização do ofício que consiste em verter nos versos os dados do tempo, da vida, da prática quotidiana do poema. Uma nota final adverte para o facto de alguns destes poemas terem sido inicialmente publicados em formato digital. Na verdade, praticamente todos eles foram anteriormente publicados nos weblogs do autor. Os mais recentes, no Casa de Cacela. Os outros, nas páginas dos weblogs Um Pouco Mais de Sul (activo entre Julho de 2003 e Julho de 2005) e Presa do Padre Pedro (activo entre Maio de 2004 e Junho de 2005). Mas há ainda o poema As Fronteiras, aparecido no n.º 13 da extinta revista Periférica, o poema A Abundância, que encontramos no weblog A Seita de Fénix, ou o poema O Amor, agora publicado com uma forma diferente da versão editada na página O Mundo Perfeito. Perante os factos, As Moradas Inúteis pode apresentar-se como um título eivado de ironia, na medida em que queiramos ver nessas moradas os lugares onde os poemas foram sendo trazidos à luz. No entanto, anterior ao parto é sempre a gestação. E, nesse caso, o lugar de gestação destes versos é, sem dúvida, a memória. O próprio vocábulo aparece explicitamente repetido por diversas vezes. Noutras ocasiões, disfarça-se nos «retratos a sépia», nos «lugares da infância», na «casa em ruínas», nas «marcas antigas». Há ainda aqueles poemas que remetem claramente para um tempo passado - «falavam desse tempo», «recordas o tempo», «lembro-me desse tempo», «era no tempo», «nesse tempo», «um tempo houve em que» -, geralmente num tom nostálgico e evocativo da vida provincial. Esse é talvez o aspecto mais cativante destes poemas de José Carlos Barros, ou seja, a forma como se distanciam das poéticas urbanas da actualidade, optando por uma espécie de nostalgia do rural, da província, do campo, dos «bosques de bétulas» (pp. 14 e 30), do «voo das aves / a caminho dos açudes» (p 16), dos «amieiros a estender pelo fim / da tarde a sua inúmera sombra / nas encostas da umbria» (p.22). É precisamente a luz das «marcas antigas do / abandono» (p. 28) aquilo que melhor se evoca nesta poesia, uma luz de ruína, abandono e ausência como um tempo irrecuperável, como um regresso sempre tardio porque perdidas no espaço do tempo estão as próprias memórias do tempo, como um tempo que dói, não de a ele não se poder regressar, mas antes de não poder ser esquecido. Pois, como se diz no último e epigramático poema deste livro, congruentemente chamado de Cicatriz: «O tempo não ensina, / reconduz ao erro» (p. 62).
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