De Artur Aleixo tinha lido quatro poemas aparecidos no n.º5 da revista Telhados de Vidro (2005). Os mesmos quatro poemas reaparecem neste opúsculo intitulado If My Heart Could Only Talk (2007), composto, na sua totalidade, por vinte e três poemas breves com claras afinidades estéticas, diga-se de passagem, com muitos dos autores que têm sido publicados na Telhados de Vidro ou geralmente associados a uma poesia mais inclinada para a experiência, a memória e o quotidiano. Esses quatro primeiros poemas remetem-nos para um tempo passado onde se destacam gestos, de certa forma, inaugurais: «os primeiros buracos / para jogar ao berlinde» (Abafadores), «as primeiras baforadas / de fumo» (Lume), «o primeiro cálice / de ginja» (Buttercookies), «os primeiros chutos / numa bola» (Chutos). Somos levados a pensar serem estes poemas sobre a infância, mas rapidamente mudamos de opinião. O que há nestes versos, quando a memória recorre à infância, à adolescência ou à juventude passadas, é antes uma tentativa de compreensão do presente. Esse investimento realiza-se a partir de um exercício de memória que parece ter mais como fim a disposição do presente, através de uma viagem pelo tempo, do que a explicação/demonstração do passado, à luz de retratos possíveis de experiências perdidas. O tempo, esse implacável ditador que tudo arruína, aparece em múltiplas coordenadas: o relógio e o calendário serão, talvez, os objectos que o indicam de modo mais evidente. Mas em todos os poemas surgem termos que, de modo menos directo, nos remetem para essa implacabilidade. O esquecimento, em contraponto com o magma dos poemas, ou seja, a memória, assim como as «paredes / em ruína» - imagem muito frequente em alguma da poesia portuguesa contemporânea, nomeadamente a de pendor mais elegíaco -, é também indicador desse percurso. Atentemo-nos a esta Arte Poética: «Quando a memória me deserda / do presente, reclamam-me os poemas. / Palavra a palavra, ergue-se a forma / devoluta das cidades – recomeça a paixão» (p. 28). O poema surge, deste modo, de uma privação, de um deslocamento, talvez de uma incompreensão ou mesmo de uma inaceitabilidade do presente. Este sentimento pode explicar-se de um modo algo simplista: lembrarmo-nos de como foi não pode senão horrorizar-nos de como é. Mas como foi o quê? Em If My Heart Could Only Walk, talvez de como foi o espanto do primeiro gesto, da experiência inicial, a surpresa que se perdeu para dar lugar a uma entediante repetição: «o ritmo viciado / da vida – demasiado repetida / para que não deseje o tempo / enterrá-la novamente» (p. 14). A morte impõe-se, por fim, com uma clamorosa evidência. A morte está em tudo, no fundo é a única coisa que sempre esteve em tudo. Quando não é nomeada explicitamente, ela aparece no velório, no luto, no lixo, no cadáver, no funeral, no caixão, nas cervejas mortas e, mais uma vez, nas «paredes / em ruína». Poderá o poema fazer frente à avidez do tempo, recuperar à morte um pouco do seu alimento, roubar ao esquecimento o que parece para sempre perdido? Pessoalmente, creio ser negativa a resposta. E estes poemas, na relação narrativa que mantêm com o passado, provam apenas que nada podem resolver, que apenas podem emprestar à morte um pouco de vida, esse pouco de vida que é o reconhecimento da morte no poema. Mesmo quando se limitam a retratar o presente, ou, como há pouco dizia, quando tentam compreender esse presente a partir de um exercício de memória que nos envia para o passado, estes poemas geram esse pouco de vida que é o reconhecimento da morte em tudo quanto existe.
Sem comentários:
Enviar um comentário