terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

UMA CASINHA

Dois westerns de Clint Eastwood dos quais gosto muito e que são quase sempre esquecidos: The Outlaw Josey Wales (1976) e Pale Rider (1985). No primeiro há a obstinação de um homem. Marcado pela perda abrupta da família, a qual fora vítima dos mercenários da União, Josey Wales junta-se a um grupo de rebeldes movido pelo desejo de vingança. Depois do grupo se desfazer na sequência de uma pérfida negociação, este fora-da-lei enceta uma fuga que terminará já na fronteira, na companhia de alguns amigos que foi fazendo pelo caminho. No segundo filme, um western de contornos algo místicos, um padre junta-se a um grupo de garimpeiros para os ajudar a enfrentarem um empresário corrupto que lhes quer roubar as terras à força. Não sabemos se o Preacher interpretado por Clint Eastwood é realmente padre. Sabemos apenas haver nele uma força ao serviço da justiça que, independentemente das suas razões pessoais, leva-o a tomar a parte dos mais fracos. Ao serviço dos mais fracos, este padre nada convencional aproxima-se do fora da lei Josey Wales numa mesma característica: a ideia de que a justiça não está tão dependente da obediência à lei como parece estar da entrega a valores essenciais. Falta gente desta no mundo de hoje. Note-se como é cada vez mais frequente ouvirmos dizer que as leis estão feitas para protegerem os mais fortes e manipularem os mais fracos. Não é preciso dominar a matéria para concluir que os mais fortes têm sempre, pelo menos, a possibilidade de contornarem a lei com os marcadores retóricos da argumentação. Refiro-me aos bons advogados, claro está. Já aos mais fracos, desprotegidos na defesa dos seus pobres argumentos, resta comer e calar. Não é muito provável que apareça por aí um Preacher misterioso imbuído de uma rectidão que possa amparar os mais fracos nas suas pretensões. Pior ainda que, cada vez mais desamparados, estes mesmos mais fracos temam tanto as represálias da sua inconveniência. Alguns calam-se para não serem despedidos, outros negoceiam o silêncio, outros dedicam-se à pesca. O que fazer? Um homem não vive do pó (quer dizer: alguns viverão, mas não são para aqui chamados). Movidos pela vingança ou por uma ideia de justiça baseada em valores fundamentais, o que nos falta é a coragem, essa coragem que o conforto do lar burguês nos ofereceu e que agora não queremos, não podemos ou tememos ver-nos escapar. Os nossos pais, que nada tiveram e tudo nos deram, têm dificuldade em aceitar esta evidência: o pouco que nos resta é o que eles nos conquistaram, abdicar disso é perder tudo, voltar à estaca zero, terminar isolados numa fronteira ou errantes como foras-da-lei. Pois eu, neste momento, encontro-me assim: descrente do rumo da lei, julgo que já nem pela bomba chegaremos a bom porto. Mas uma dose forte de coerência, obstinação e coragem talvez possa ajudar a, pelo menos, construirmos uma casinha para os nossos.

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