terça-feira, 22 de janeiro de 2008

SON FRÉRE

Acabo de ler no Yahoo! a notícia da morte de Heath Ledger, um dos protagonistas de Brokeback Mountain. Tinha 28 anos e é provável que a morte esteja relacionada com o consumo de drogas. A fotografia do actor disponibilizada no Yahoo! é desconcertante, pois mostra-o com um ar aparentemente doente. Nunca sei que cores associar à doença. Talvez cores desmaiadas. A doença só pode ter uma cor desmaiada. Há quem pinte a doença de amarelo, o que me parece, já de si, algo doentio. A doença não é amarela. Amarela é a traição. É provável que o cinzento, um branco acinzentado, se aproxime da tonalidade da doença. Penso nisto e lembro-me de um outro filme, intitulado Son frère (2003), do francês Patrice Chéreau. Nesse filme há um personagem que sabe que vai morrer. Não como todos nós sabemos que vamos morrer, mas por sofrer de uma doença terminal. Ele tem aquela cor acinzentada no rosto. Mas que cor é aquela? Que cor é a cor de quem sabe que vai morrer? Penso nas cores da doença. Mais do que a experiência da morte, é a experiência da doença que me transtorna no filme de Chéreau. Para quem não tenha visto, o argumento centra-se na relação entre dois irmãos há muito afastados. São duas personagens tão antagónicas quão complementares. Aquilo que os reaproxima será o mesmo que os separará irremediavelmente: a doença. Às vezes são precisas certas cores, como as cores da doença, para reaproximar as pessoas há muito afastadas. Thomas está doente, ele transporta no rosto as cores da doença, sofre no corpo a invasão de sensações estranhas ao corpo, deixa-se abater, perde o domínio sobre si próprio. Está doente. As pessoas doentes distinguem-se das outras por perderem o domínio sobre si próprias. É sempre assim com a doença. Thomas volta-se para o irmão que há muito não vê. Luc, o irmão de Thomas, é professor, partilha um quarto com um companheiro. Fica surpreendido com o súbito regresso do irmão, mas apoia-o, tenta resolver os conflitos que os separaram, aprende as cores da doença, experiencia o fim nas emoções provocadas por todo aquele cenário hospitalar de corpos entubados, enfermeiras atarefadas, médicos frios, desmaios, espasmos, tristeza. Não sei por que razão me fui lembrar deste filme ao saber da morte de um jovem actor de 28 anos. Sei apenas que Thomas, o personagem do filme de Chéreau, acaba suicidando-se numa manhã de Verão. Entra no mar para não mais sair. Deixa-se morrer antes que a doença o mate. Por outro lado, talvez já estivesse morto. Há doenças que assumem certas particularidades, como, por exemplo, matarem um corpo mantendo-o vivo. A doença tem esse lado sombrio, por isso deve ser cinzenta. A doença mantém-nos vivos dando-nos a morte a sentir. E nós, saudáveis, podemos ver representada nos olhos do doente a vida da morte. É provável que a doença seja a vida da morte. Ou então, dito de outro modo, é possível que a doença seja o corpo mais cru da morte. Penso nisto ao saber da morte do tal actor, e nem sei por que razão penso nisto. Mas penso. E concluo que a morte não é um vulto negro de foice na mão, não é uma caveira ou um esqueleto. A morte não é um fantasma, não é o espectro alucinado dos nossos temores. A morte é um corpo doente. No fundo, é o que mais por aí se vê. Talvez apenas mude o facto de nem todos termos um irmão a quem telefonar quando a morte nos usurpa o corpo.

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