Tinha saltos altos e só isso justificava que falasse lá do alto com uma voz tonitruante a tentar dobrar as esquinas do medo de quem, cá em baixo, arrasado, a ouvia. Porque há quem pense serem a verdade e a razão resultado do tom de voz com que se proferem as maiores barbaridades. E cá em baixo, arrasados, os pequenos insectos ouviam-na trovejar as suas razões, tão incoerentes aos olhos de quem não tem costas largas, tão sitiadas dum sono angelical, uma canção tristemente pobre cantada no palco hipócrita das angariações de fundos. Contem-te escritor, não deixes a pena fugir para o automatismo. Tem tento nos dedos, comanda a mão, regula os acidentes como quem regula o som de uma voz firmemente colada à verdade de uma razão justificável pelo volume. Ela estava bem vestida, composta. As pessoas bem vestidas, compostas, são geralmente as mais feias. Porque o facto de estarem compostas torna-as facilmente expostas à descompostura. E logo hoje, quando ainda ecoava em mim a imagem do provocador de acidentes e da criação como uma consequência desses mesmos acidentes provocados por capricho, vontade, desrazão divina. E logo hoje.
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