Kenneth White nasceu em Galsgow, Escócia, no dia 28 de Abril de 1936. Estudou francês e alemão, tendo ido viver para França, em 1959, onde concluiu um doutoramento. Viveu entre a Escócia e França durante alguns anos, acabando por ser expulso da Universidade de Bordéus devido ao seu envolvimento nos protestos de Maio de 1968. Publicou vários livros de poesia, ficção e ensaios, entre os quais L'Esprit nomade (Grasset, 1987). Este livro aparece dois anos antes da fundação do Instituto Internacional de Geopoética, cujo propósito consiste num trabalho de pesquisa interdisciplinar tendo em vista um aprofundamento do conhecimento da “cultura planetária”. Mais interessado em peregrinar do que fixar, mais preocupado em problematizar do que classificar, mais voltado para as paisagens abertas e primitivas do que para as avenidas delimitadas do pensamento, o movimento intelectual nómada arrisca uma compreensão anárquica do universo (“sem bomba nem bandeira”), no seu sentido mais poético, criador, onde entre poesia, filosofia e ciência não se ergam muros preconceituosos e barreiras impeditivas de um (entre)cruzamento de saberes. A tradução portuguesa vinda a lume em Março de 2008 é da responsabilidade de Luís Nogueira, cabendo a congruente edição à Deriva. Mais uma vez lamenta-se a ausência de uma revisão cuidadosa que limpasse o texto de variadíssimas distracções e tornasse mais perceptível algumas passagens mudadas para um português bastante duvidoso. Ainda assim, a qualidade do livro faz-nos esquecer o pio das gralhas. Além do prefácio, a obra divide-se em três partes fundamentais. Na primeira o leitor é como que lançado numa deriva em busca das raízes do espírito nómada. Procura-se compreender, nunca estabelecer, a rede de intercepções filosóficas, artísticas, religiosas, cientificas, em suma culturais, que, a Oriente e a Ocidente, nos permitem sustentar, melhor seria dizer desbravar, um “itinerário anarco-niilista” do “nómada intelectual”. Recusando uma redução do pensamento à pesquisa de teorias estáticas, White não evita fixar-se no devir do pensamento. Parece paradoxal mas não é. A única fixação possível é precisamente a da consciencialização de uma mutabilidade natural. É sempre sobre a Terra que observamos a mudança das estações, é sempre sobre a Terra que contemplamos o crepúsculo e a aurora, é sempre sobre a Terra que experimentamos o devir. Vogando, viajando, é certo, inquieta e desassossegadamente no âmago de uma dinâmica (re)criadora. Nesta dinâmica mergulha o “nómada intelectual”, viajando sobre a Terra e dentro de si próprio (a viagem parece ser mais intelectual do que geográfica, embora ambas se complementem), esforçando-se no sentido de um «mundo limpo de ideais, impressões e de desejos de dominação» (p. 30): «o nómada intelectual em plena posse dos seus meios seria, não aquele que errasse pelas megalopolis com um vago sentido cosmopolita, mas o que soubesse seguir os seus “próprios caminhos” e que, por uma espécie de “transumância psíquica” (o termo é de Spengler) soubesse tomar os “caminhos próprios” de culturas diferentes daquela em que nasceu. Através de uma série de metamorfoses, chegaria talvez a um novo sentido do cosmos» (p. 43). Na segunda parte do livro, Kenneth White dá alguns exemplos de espíritos que recusaram a domesticação preferindo a experiência de um não-lugar ao lugar de uma não-experiência. Fala de George Borrow (1803-1881), do seu desprezo pelo “pessoal literário”, da “bravia solidão autodidacta dos seus estudos”, da sua atracção pelos ciganos (povo nómada por excelência); lembra Henry Thoreau (1817-1862) e o seu carácter apolítico, o seu temperamento desobediente, as suas pesquisas “sobre a vida e a cultura dos primeiros americanos” (o seu projecto seria “tornar-se índio”); cita “o feroz observador satírico” Hugh MacDiarmid (1892-1978), "posto fora do partido nacionalista, e não demorando a juntar-se aos comunistas. Isto apra acabar por se ver, em 1938, corrido do partido comunista – por nacionalismo"; fala ainda do solipsimo extremo de John Cowper Powys (1872-1963) e da sua inclinação "em direcção ao xamanismo dos Índios da América, do taoísmo chinês e da magia branca dos lamas tibetanos"; recorda os trabalhos de Victor Segalen (1878-1919) e a sua “embriaguez espiritual” por territórios orientais. A terceira e última parte de O Espírito Nómada não deixa de nos lançar pistas. Kenneth White cita imensos autores, cruza-os, procura abrir o espaço para uma geopoética marcada pela força do pensamento, integrando mais do que recusando, apagando as linhas que eventualmente possam ainda separar, como preconceitos difíceis de superar, a poesia da filosofia. Caminhando, dançando, nadando com o universo, o autor de O Espírito Nómada esboça uma teoria da geopoética – esboçar uma teoria não é o mesmo que fixá-la - acabando por desembocar numa intuitiva conclusão: um novo fôlego para o pensamento ocidental. Este livro é um excelente contributo para esse novo fôlego.
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