domingo, 8 de fevereiro de 2009
POEMAS DE SAUDADE E DE AMOR
Depois de se ter apresentado com ainda aqui este lugar, de Pedro Afonso (Faro, 1979), a 4 Águas Editora volta a apostar em poetas algarvios. Doze Poemas de Saudade, de Fernando Cabrita (Olhão, 1954), e 69 Poemas de Amor, de Casimiro de Brito (Loulé, 1938), seguem-se ao livro do estreante Pedro Afonso. Não sei se esta opção regionalista é para manter, mas deve ser sublinhada enquanto esforço de divulgação de uma actividade poética que se pretende afirmar para lá do tradicional e conservador centro poético nacional. Diz-se que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem. Porto e Coimbra tendem a ser a paisagem que olha para as elites da capital com uma perspectiva comummente bipolar. Nestas coisas amor e ódio misturam-se com espantosa facilidade. Lá do fim da nação, surge-nos agora a investida mourisca. O escritor Fernando Esteves Pinto é, com Vítor Cardeira, o director editorial desta 4 Águas Editora. Se tivermos em conta as actividades desenvolvidas no âmbito do Sulscrito – Círculo Literário do Algarve, facilmente percebemos esse salutar desejo de afirmação de uma actividade tantas vezes esquecida por aqueles para quem o país é ainda mais pequeno e medíocre do que a sua natural condição geográfica já impõe. Não se estranhe, por isso mesmo, que após um jovem autor a aposta seja em dois livros de autores com obra feita e reconhecida. Fernando Cabrita tem amealhado vários prémios literários, colaborou com diversos jornais e revistas, viu poemas seus musicados por projectos de música popular. Casimiro de Brito tem vasta obra publicada e premiada, está representado em inúmeras antologias, tem tido uma actividade poética intensa, é há vários anos presidente do PEN Clube Português. Outros pormenores ligam os dois livros agora dados à estampa: a opção por temas clássicos (a saudade no caso de Cabrita, o amor no caso de Casimiro), assim como a luminosidade que percorre os poemas de ambos os volumes. Em Doze Poemas de Saudade encontramos uma escrita simples, resvalando por vezes para um naïf de rimas óbvias e ideias triviais, cuja nostalgia aparece recorrentemente sugerida no tom plangente da interrogação: «Que nome tínhamos?» (p. 7), «Junho pode ser o que outrora fora?» (p. 9), «Onde o Templo que tanto venerais, onde a Rocha, onde a paz que tão prometida foi aos de boa vontade?» (p. 11), «Quando regressaremos à casa que foi nossa um dia?» (p. 22), «Onde, agora, esses tempos que sabemos que existiram?» (p. 24). Evocam-se Argos, o cão de Ulisses, e, de forma menos evidente, poetas como Ricardo Reis e Juan Ramón Jiménez, desenhando a saudade com os contornos do lamento e da dúvida. O tempo que passou sobre as coisas, arrastando consigo o que elas eram e já não são, impõe a pergunta: «Quanto de outrora a minha poesia agora tem?» (p. 36) Mas há nesta lamentação um inquestionável canto solar. De resto, o sol aparece logo no primeiro poema. É sob a sua luz que a Terra se transforma, que o mundo se vai perdendo. «E tudo está certo, apesar de tudo, / Tudo está certo como o vento e o sol» (p. 8). O mesmo sol aparece nos 69 poemas de amor que Casimiro de Brito coligiu nesta breve e temática antologia da sua vastíssima obra. O primeiro poema do livro, recolhido em Poemas da Solidão Imperfeita, data de 1957. Entre esse e os seis poemas de Arte de bem morrer (2007), passaram 50 anos. Acrescentam-se um conjunto considerável de inéditos retirados de dois títulos diferentes: Amar a Vida Inteira e Eros Mínimo. A fonte poética é facilmente reconhecível. Os poetas orientais, o haiku, a filosofia Zen são a nascente que há muito alimenta a torrente poética deste autor. A Via é a da transparência, da claridade, da tal estética solar que há pouco denunciava, é o caminho da luz e da «voz limpa dos frutos» (p. 12). Ainda assim, num dos melhores poemas do autor do Livro das Quedas, a dúvida aparece. Mas a possibilidade apenas surge para logo ser negada: «Talvez a vida não seja luminosa / Mas tem momentos: o lago da cama, o sol / Na lombada dos livros, o joelho / Amável / Da mulher deitada. Como vai ser a manhã / Não sei, ergo a minha taça» (p. 23). Poeta dos quatro elementos, Casimiro de Brito transfere para a língua portuguesa a luminosidade das paisagens orientais. É, à sua maneira, um poeta clássico sem o ser necessariamente. No entanto, o tu feminino que surge nos seus quadros poéticos iniciais vai dando lugar a uma ausência posterior. Também aqui o envelhecimento, a perda, a distância e a separação impõem uma outra luz: «Se o teu ouvido se fechou à minha boca / poderei escrever ainda poemas de amor? / A arte de amar não me serve para nada» (p. 49). Destas contradições se faz o amor, do sofrimento casado com o desejo e o prazer, da solidão avassaladora depois de perdido o objecto amado. Curiosamente, a filosofia acaba por ser bastante semelhante à dos poemas de saudade de Fernando Cabrita. Os homens erram, mudam, transformam-se na sua instabilidade inerente, muito aquém do que na natureza parece ser uma estabilidade dificilmente sustentável, reconheça-se, para lá do mero efeito poético: «Bebo-te, embriago-me, / enquanto as montanhas fazem o que sempre / fizeram: curvam-se, complacentes, / sobre quem vai correndo por vales silenciosos» (p. 78).
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