Ainda antes de ter visto Paris, Texas (1984), um filme ao qual regresso de vez em quando muito por culpa de Sam Shepard (argumento) e de Ry Cooder (banda sonora), o cinema de Wim Wenders prendeu-me por causa de filmes como As Asas do Desejo (1987) e Tão Longe, Tão Perto (1993) - o primeiro que vi nas salas do cinema King. Um ano depois o realizador apaixonou-se pela música dos Madredeus e pela poesia de Fernando Pessoa, resultando a paixão num menos fascinante Lisbon Story (1994). Para Além das Nuvens (1995) juntou-o ao mestre Michelangelo Antonioni, tendo Wenders enveredado posteriormente por uma série de filmes de tendência mais política de que são exemplos The End of Violence (1997), o magnífico documentário Buena Vista Social Club (1999), The Million Dollar Hotel (2000) e Land of Plenty (2004). Don’t Come Knocking (2005) retomou a colaboração com Sam Shepard, um impecável contador de histórias com uma curiosa carreira no campo da representação cinematográfica. A verdade é que apesar de não desgostar do Wenders destes últimos filmes made in Amercia, prefiro-lhe a poesia dos tempos alemães. Palermo Shooting retoma essa poesia, numa clara homenagem aos mestres Antonioni e Ingmar Bergman. Nem era necessário o filme ser-lhes dedicado, informação oferecida no final mas patente em múltiplas evocações das obras dos mestres. Misto de Blowup (Michelangelo Antonioni, 1966) com O Sétimo Selo (Ingmar Bergman, 1957), Palermo Shooting retoma as velhas questões da existência na figura de um fotógrafo (interpretado pelo vocalista da banda Die Toten Hosen) subitamente interpelado pela figura da morte (Dennis Hopper). A música, factor determinante nos filmes de Wenders, vai pontuando o ritmo da narrativa com escolhas acertadas e uma qualidade impar. Sucessivas manipulações do som permitem-nos transitar do íntimo da personagem central para o exterior que o circunda, ficando essa separação suspensa apenas quando mergulhamos num domínio onírico onde tudo se confunde. A bergmaniana questão do tempo, na sua convocação constante da morte e, a partir dela, do sentido que a vida possa fazer, permite ainda questionar a realidade através de uma provocadora síntese da relação entre as artes visuais (pintura, fotografia, cinema) e a realidade. A determinada altura diz-se que o digital roubou a essência à imagem, no que aparenta ser mais um dilema do que uma crítica de tipo conservador. A verdade é que se torna fundamental perceber a essência para saber que a mesma foi roubada. De outro modo, como podemos saber o que é ou deixa de ser a essência? Sendo assim, aquilo que nos rouba é o que mais nos afirma. Tal como a morte, roubando-nos à vida para que a vida se afirme na sua plenitude, o digital usurpa a essência à imagem – o acaso, o acidente - para que a imagem se possa afirmar enquanto expressão da realidade. O duelo que Wenders reproduz neste seu filme é, antes de mais, uma bela homenagem aos mestres porque, homenageando-os, expõe-se com honestidade e mostra-se desabrigado perante as aporias que a tecnologia trouxe à sétima arte.
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