Enquanto degustava os percebes arrancados à rocha pelo mestre Vivaldo, ocorreram-me intermitentemente algumas imagens da primeira incursão pela Praia da Amália. Devo a aventura a um grande amigo, o Mário Pedro. Eu tinha acabado de tirar a carta de condução, pedi a 4L emprestada ao meu pai e parti com o Mário para o Sudoeste. Quem conhece, sabe que conduzir um bólide daquele calibre é já uma aventura. Imaginem o que não será se o motor ceder sempre que param o carro. Era o que acontecia. Nos semáforos, nos cruzamentos, nos entroncamentos, nos stops, nos pára-arranca das filas de trânsito, o camelo amochava. Fui mais tarde informado de que bastava apertar um parafuso no alternador para o problema ficar resolvido. Ainda assim, conseguimos ir e voltar, dormimos uma noite dentro da carripana, não perdemos nenhum banho no canal, desbravando quase invariavelmente caminhos de ovelhas e vacas. Também fomos perseguidos por um enxame de mosquitos e, numa tarde em que chovia torrencialmente, descemos à praia da Zambujeira, estendemos as toalhas e o céu abriu-se fazendo vénias aos raios de sol. Mas essas são outras histórias, que apenas aqui aparecem porque ontem voltei à Amália.
Hoje, enquanto caminhava para mais uma visita aos Três Arquinhos, também eu saudei a luz que iluminava a paisagem. Voltei a pôr os olhos nas pequenas hortas, nos milheirais, numa manada de vacas que pastava ali perto, nas casas abandonadas cuja poesia sempre me encantou, mais ainda depois de ter lido O Livro das Igrejas Abandonadas de Tonino Guerra. Imagino que antes de terem sido entregues aos caprichos da natureza, estas paredes gravaram existências, protegeram vidas, imagino que mais tarde ou mais cedo alguém voltará a oferecer-lhes a história anónima da sua passagem pela Terra. Histórias como as que se escutam involuntariamente numa mesa dos Três Arquinhos, narradas ora por quem as testemunhou, ora por quem nelas interveio como actor principal ou secundário: o galego das três mulheres, o caçador de javalis, o condutor sem carta, o incansável combatente, o retardado que imita galinhas, um cigano vestido de negro dos pés à cabeça, com umas barbas a roçarem-lhe o peito e o cabelo pelos ombros. São histórias que, muito provavelmente, não ficarão na História. A não ser que alguém venha um dia a escrever um Made in Rogil para relatar, entre outros factos imporováveis, a passagem por aqui de um alemão extravagante que quis povoar estas pastagens com «todas as aves mencionadas nas obras de Shakespeare». Como duvido dessa possibilidade, concentro-me na horta. Este ano, não tão abundante como nos anos precedentes, deu-nos várias saladas de tomate, esse venenoso hortofrutícola «utilizado durante séculos enquanto curiosidade decorativa», pimentos grelhados, sopa de feijão verde… A dieta já era suficientemente rica, não contávamos, nem sequer imaginávamos, que pudéssemos agora condimentar as sobremesas com estas ervas encantadoras:
4 comentários:
coentros «serrilhados»??? kif do Rogil? ah, bandido!
opa!
que beleza, já nem sei quem é esquerda...
abraços,
Gustavo
realmente...na minha horta não há dessas ervas. :)))
uma prosa cheia de aroma :)
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