sábado, 29 de agosto de 2009

«QUANDO A MORTE CHEGA, DEIXA DE HAVER ESPAÇO PARA NÓS»




«Conheço a morte, sou um velho funcionário ao seu serviço, temos tendência a sobrevalorizá-la, acredite no que lhe digo! Posso assegurar-lhe que ela não vale nada. Tudo aquilo que a precede e que, em certas situações, pode assumir contornos ultrajantes não pode ser imputado à morte: são circunstâncias que fazem parte da vida mais activa e que podem conduzir à cura e à sobrevivência. Ninguém que regressasse do reino dos mortos lhe poderia relatar qualquer coisa de concreto sobre a morte, porque ninguém a experiencia. Nascemos das trevas e é nelas que nos afundamos. Entre um pólo e o outro vivem-se experiências, é certo, mas a verdade é que não experienciamos nem o princípio nem o fim, nem o nascimento nem a morte, o que significa que eles não têm carácter subjectivo. Enquanto fenómenos, pertencem exclusivamente à esfera do objectivo, é o que é.
Era desta maneira que o conselheiro consolava os vivos.»

Thomas Mann, A Montanha Mágica, trad. Gilda Lopes Encarnação, Dom Quixote, p. 606.

Acabámos de receber por SMS a notícia da morte do Victor. Sucumbiu um ano depois de lhe terem diagnosticado um cancro no pulmão. Resistiu enquanto pôde. Guardo-lhe boas memórias, de um fim-de-semana passado na Lousã em 2004, de alguns encontros no Porto e outros pelas vias modernas dos encontros e dos desencontros. Depois de ter sabido da doença, tentei escrever-lhe algumas vezes. Manifestei uma intenção que nunca consegui concretizar. O que dizer? «Enquanto nós existirmos, não há espaço para a morte». O Victor é o da esquerda, de cigarro na mão.