domingo, 21 de março de 2010

A TERRA SANTA

Conheci Jericó,
também eu tive a minha Palestina,
os muros do manicómio
eram as muralhas de Jericó
e um poço de água infecta
baptizou-nos a todos.
Lá dentro éramos judeus
e os Fariseus ficavam no alto
e, perdido na multidão,
estava também o Messias:
um louco que gritava aos céus
todo o seu amor por Deus.

Todos nós, rebanho de ascetas
éramos como pássaros
e de vez em quando uma rede
obscura aprisionava-nos
mas íamos a caminho da colheita,
a colheita do nosso Senhor
e Cristo o Salvador.

Fomos lavados e sepultados,
cheirávamos a incenso.
E depois, quando amávamos
davam-nos choques eléctricos
porque, diziam, um louco
não pode amar ninguém.

Mas um dia de dentro do sepulcro
também eu me levantei
e também eu como Jesus
tive a minha ressurreição,
mas não subi aos céus
desci ao inferno
de onde revejo estupefacta
as muralhas da antiga Jericó.

Trad. Clara Rowland.


Alda Merini nasceu em Milão no dia 21 de Março de 1931. Em 1950, Giacinto Spagnoletti publica dois textos da autora na Antologia da Poesia Italiana 1909-1949, apresentando-a como «uma jovem que não nasceu em nenhum terreno de cultura, nunca frequentou ambientes literários, leu até agora poucos e nem sempre bons livros e ignora, por exemplo, a Divina Comédia. Leva uma vida de rapariga pobre, confiante apenas nas grandes verdades que a sua alma descobriu». Como diria a minha avó, benza-a Deus. Merini começa a frequentar a casa de Spagnoletti no mesmo ano em que se manifestam os primeiros sintomas de doença psiquiátrica. É internada numa clínica, pronunciando uma vida devastada por sucessivos internamentos, períodos de lucidez acossados pela demência, o “inferno do manicómio”. Casa em 1953, ano da sua primeira recolha poética publicada: La presenza di Orfeo. Em 1955 nasce-lhe a primeira filha. Publica quatro livros entre 1953 e 1961, seguindo-se um silêncio poético de quase vinte anos passado mormente no manicómio Paolo Pini. Volta a sentir a experiência da maternidade por mais três vezes. O regresso à publicação acontece em 1980, com Destinati a morire, mas será com La Terra Santa (1984) que a sua voz mais se fará ouvir. Desde então, a poesia de Alda Merini mereceu várias distinções, juntando-se à vasta produção poética alguns volumes em prosa. É hoje considerada uma das vozes mais fortes da poesia contemporânea, autora de uma poesia do gueto, violenta, mas depurada, com uma forte ligação às emoções e sem outra escola que não a da sua própria experiência. Vive e morre e ressuscita e volta a morrer e volta a renascer na cidade onde nasceu.

1 comentário:

Gustavo disse...

antologia do secreto poema

...


faz frio


>¨<