Michael Hamburger nasceu a 22 de Março de 1924, em Berlim, no seio de uma família judaica burguesa. O pai era um pediatra com inclinações melómanas que incutiu nos filhos um forte interesse pelas temáticas culturais. A mãe era filha de um importante banqueiro. Um dos amigos de infância do poeta foi Lucien Freud. O alarme nazi levou a família a emigrar para Edimburgo, em 1933. Alteradas as condições económicas, Michael ainda pôde estudar no George Watson’s College, transferindo-se posteriormente para Westminster. Não sendo propriamente um menino de coro, escolheu como desporto favorito, além da poesia, o boxe. Dizem que se vingava no ringue dos alemães ricaços que frequentavam o colégio. Em 1941, devido à guerra, os estudos prosseguiram suportados por uma bolsa em Oxford. Foi aí que o jovem poeta/pugilista conheceu outros desportistas de renome, entre eles Dylan Thomas e Philip Larkin. O convívio deu-lhe punho. Juntamente às traduções que ia fazendo dos poemas de Hölderlin, o poeta submetia os seus próprios poemas à apreciação do mestre Eliot. A vida não estava para poesias. Hamburger cumpriu os seus serviços militares no Queen's Own Royal West Kent Regiment, andou por Yorkshire e foi colocado em vários postos britânicos. Acumulou com a itinerância militar traduções de Baudelaire, as quais não terão sido boa influência. Frustrado, objecto de encenações pouco estimulantes, resolveu festejar o fim da Guerra com uma garrafa de brandy que o deixou em coma durante vários dias. A recuperação levou-o até Aleister Crowley, com quem pretendia discutir as traduções de Baudelaire. Mas o nosso poeta acabou colocado em Graz, a ensinar inglês e alemão às criancinhas. Traduziu os escritos de Beethoven e, em 1950, conseguiu publicar a sua primeira colectânea de poemas: Flowering Cactus. Dois anos depois, colocaram-no como leitor na University College London. Pelo meio, ainda arranjou tempo para casar com Anne Ellen File, a actriz e poeta Anne Beresford. A partir daqui, a vida foi ocupada com traduções de Brecht, Grass, Baudelaire, Celan, Rilke, Goethe, WG Sebald (que o meteu num dos seus livros, Os Anéis de Saturno), entre tantos outros. Escreveu mais de vinte volumes de poesia, foi professor em várias universidades norte-americanas, escreveu um curioso ensaio intitulado The Truth of Poetry (1970), onde alertava tanto para os perigos das leituras de poemas levadas a cabo pelos Beats como para os jogos obscurantistas da poesia concreta. Escreveu ainda alguns livros de memórias e crítica literária, traduziu imenso, foi-lhe atribuído um OBE (Order of the British Empire) em 1992, morreu a 7 de Junho de 2007 na sua casa em Suffolk:
PARA UM ÁLBUM DE FAMÍLIA
Quatro cabeças à luz de um candeeiro
E todas curvadas em peculiar obscuridade,
Lendo, desenhando, sós.
Uma câmara tê-las-ia aprisionado
Difusas na penumbra morna da sala,
E tê-las-ia deixado, recusando contar
O tempo até que o candeeiro se fundisse,
O cabelo se pusesse em pé, se cortasse, pintasse
PARA UM ÁLBUM DE FAMÍLIA
Quatro cabeças à luz de um candeeiro
E todas curvadas em peculiar obscuridade,
Lendo, desenhando, sós.
Uma câmara tê-las-ia aprisionado
Difusas na penumbra morna da sala,
E tê-las-ia deixado, recusando contar
O tempo até que o candeeiro se fundisse,
O cabelo se pusesse em pé, se cortasse, pintasse
ou ondulasse.
Nem sequer as posso descrever, só apanhei
Um clarão que devastou
As paredes da nossa sala na penumbra;
Ou o negativo ─ uma chapa preta
Aberta à luz tão branca que feria o olhar.
Deixai esta página em branco.
Não gostaríeis nem acreditaríeis
Na foto que nenhuma lente poderia tirar:
Atado aos meus ossos como raízes
Nas vossas cadeiras voáveis, voáveis.
Michael Hamburger, trad. por Manuel de Seabra, in Antologia da Poesia Britânica Contemporânea, Livros Horizonte, Junho de 1982, p. 16. Na imagem: Anne Beresford, Rita Dove, Michael Hamburger e Fred Viebahn.
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