Só agora compreendo o homem, agora que estou longe dele e vivo na Solidão!
Dez anos a escrever poemas. 36 anos de loucura. Um amor impossível. Uma vida desventurada. Nascido nas margens do Neckar, a 20 de Março de 1770, Hölderlin perdeu o pai com apenas dois anos. Johanna Christina Hölderlin, a mãe do poeta, casou pouco depois com o presidente do município de Nürtingen. Enfermeira mas malograda nos amores, Johanna perdeu o seu segundo marido contava o filho apenas nove primaveras. Órfão ao quadrado, Hölderlin foi encaminhado para a carreira de teólogo. Quando se nasce torto, nem Deus nos endireita. Andou pelos seminários de Denkendorf e Maulbronn, passando depois para o Stift de Tubinga, onde travou amizade com os jovens Hegel e Schelling. Por esta altura, já escrevia poemas de velada admiração pela Revolução Francesa. Feito o exame de teologia, separou-se dos comparsas e seguiu o rumo natural de um jovem oriundo de famílias pouco abastadas: tornou-se «preceptor de meninos de famílias ricas, espécie de criado de melhor qualidade». Estamos em 1793, em casa de Charlotte von Kalb, grande amiga de Friedrich von Schiller. Estamos em Iena, convivendo com Schiller e Fichte. Estamos em Weimar, de visita a Herder. E estamos com Goethe. Na revista de Schiller, Hölderlin publicou os seus primeiros textos, um fragmento do Hyperion e o poema Destino. O convívio com o génio dos supracitados, sobretudo com Schiller, deixou-o ambivalente: «O Sr. Excita-me de mais quando estou ao pé de si, (…) estou por vezes em luta secreta com o seu génio para salvar dele a minha liberdade». A situação tornou-se incomportável e Hölderlin fugiu literalmente de Iena para o colo materno, instalando-se posteriormente em casa do banqueiro Jakob Gontard, em Francoforte-sobre-o-Meno. Novamente afundado na carreira de preceptor, isolou-se na poesia:
OS POETAS HIPÓCRITAS
Frios hipócritas, não faleis dos deuses!
Vós sois tão razoáveis! não acreditais em Hélios,
Nem no Tonante e no Deus do Mar;
A Terra está morta, quem quer agradecer-lhe? ─
Confiança, Deuses! pois ornais a canção,
Inda que dos vossos nomes a alma já se foi,
E quando é precisa uma grande palavra,
Mãe Natureza! é em ti que se pensa.
E deu-se o caso. Hölderlin perdeu-se de amores por Susette Gontard, mulher do patrão e mãe dos seus educandos. Diotima, assim lhe chamava, foi o tema de muitos dos seus poemas. Do amor platónico saíram-lhe odes, elegias, extensos poemas em verso longo e uma enorme depressão amainada por cartas à amante e breves encontros secretos. Em 1798, o poeta deixou Francoforte, resistiu às preces da mãe para que voltasse à vida eclesiástica, foi para Homburg vor der Höhe, onde trabalhou uma inacabada tragédia sobre a morte de Empédocles e continuou a escrever poemas:
Ouvisse eu agora os que me avisavam, de mim sorririam e pensariam:
«Por nos recear, mais cedo este louco nas mãos nos caiu.»
E não considerariam isso um lucro…
…
Cantai, ó cantai-me, terríficos Deuses Fatais, a canção
Profetizando desgraça, sempre de novo ao ouvido.
Sou vosso por fim, bem o sei, mas quero antes disso
Pertencer a mim mesmo e conquistar vida e glória.
Falhado o projecto de uma revista em Homburgo, partiu para Nürtingen, Estugarda, Hauptwyl na Suíça, Bordéus… Escreveu a Schiller cartas sem resposta e partiu, partiu, partiu. Susette Gontard morre. Ninguém sabe onde pára o poeta. Apareceu novamente na «pátria, feito um farrapo irreconhecível, depois de ter atravessado a pé a França de fronteira a fronteira». Schelling encontrou-o em estado nojento e recomendou-o a Hegel, Sinclair arranjou-lhe um lugar de bibliotecário, até que, em 1806, «uma vez que a medicina não dá esperanças, entrega-o aos cuidados de um mestre marceneiro de Tubinga, Zimmer de nome, em casa de quem fica vivendo até ao fim. É o gáudio dos estudantes e dos garotos de Tubinga que se divertem a enfurecê-lo». Hölderlin continuou a escrever versos que assinava com nomes estranhos, mostrava indiferença perante as publicações dos seus poemas, era amiúde visitado pelo fantasma de Diotima, «passa nas trevas da loucura mais de metade da sua longa vida». Morreu a 7 de Junho de 1843.
Fonte: Poemas, de Hölderlin, trad. Paulo Quintela, Relógio d’Água, 1991.
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