terça-feira, 8 de setembro de 2009

BASTARDOS


Entre Pulp Fiction (1994) e Inglourious Basterds (1999), dois filmes de génio, Quentin Tarantino filmou o melhor e o pior. O melhor é Jackie Brown (1997), o pior é Death Proof (2007). Estamos a falar de um realizador cheio de estilo, um pintas, um argumentista com um sentido de humor que foi estrumado pelo melhor cinismo norte-americano. As pessoas cultas diriam que Tarantino tem wit. Como sou uma pessoa culta, digo isso mesmo: Tarantino tem wit. Sentei-me a ver Inglourious Basterds na fila da frente, a pior, e rapidamente me esqueci que sou contra as pipocas e copos de Pepsi durante o cinema. Na verdade, apeteceu-me saltar para dentro da tela e fazer parte daquela comédia negra, daquele negrismo rasgado que arranca sorrisos desconfortáveis de mão na testa. Algumas pessoas soltavam um credo ou um ai nossa senhora, aquele ai nossa senhora incrédulo que um ateu solta quando vê peregrinos de joelhos e crentes a imitarem Jesus crucificado. Ora bem, Inglourious Basterds é um fdp de filme genial. Um exemplo: Hitler morre num cinema em chamas durante a exibição da obra-prima de Goebbels. Outro exemplo: os Bastardos (sacanas na tradução oficial) são americanos de origem judaica. Ninguém se lembraria de uma façanha destas, o cinema ao serviço das grandes causas, de um modo directo e objectivo, película facilmente inflamável convertida em arma de arremesso, a genealogia americana cuspida, nua e crua. Se pensam que este é um filme sobre um tema, desenredem-se. Se pensam que o tema é a II Grande Guerra, então desenmerdem-se. Numa tramóia com os pés no lugar da cabeça e a cabeça dividida pelos cinco dedos de cada mão, o absurdo, digo o nonsense, vai dando lugar a um enredo cadenciado pelo sentimento de vingança. Mas a vingança também não morre solteira. Por isso mesmo, praticamente ninguém escapa. Honra ao líder dos Bastardos, um grupo de operacionais composto essencialmente por americanos-judeus cuja missão consistirá em matar o maior número possível de nazis e ficar-lhes com os escalpes (topam a ironia?). A cowboyada tem lugar na França ocupada, pouco antes do Dia D (concretizado no supradito episódio de uma sala de cinema literalmente em chamas). Podemos divagar sobre os intentos metafóricos do filme, sobre a possibilidade de uma parábola onde a violência do mundo se cruza com o entretenimento cinematográfico. Deixo considerações do género para quem de direito, mas chamo a atenção para alguns magníficos contrastes - tais como um ambiente pastoral a servir de fundo numa execução nazi ou as natas em grande plano numa cena de tortura psicológica. Há uma atenção nos pormenores decorativos, nos sotaques, na caracterização das personagens, que provoca uma espécie de deleite macabro, desconcertante, qualquer coisa do género: a sensualidade da violência, o requinte da vingança. Repare-se no sotaque sulista do Lt. Aldo Raine, um militar norte-americano com genes de índio guerreiro, a dar corda ao riso com uma postura ao mesmo tempo brutal e picaresca. A História do Cinema está toda ali, do western ao experimentalismo da nouvelle vague, passando pela famosa luminosidade dos orientes e pela pura estética do entretém. Brad Pitt não pode continuar a ser reduzido a uma carinha larocas. Recapitulemos: The Curious Case of Benjamin Button, Fight Club e Se7en, sob comando de David Fincher; The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford, ao serviço de Andrew Dominik; Babel (Alejandro González Iñárritu); Ocean's Eleven, Twelve e Thirteen, pela mão de Steven Soderbergh… De que estão à espera para oscarizar uma versatilidade destas?

3 comentários:

jp disse...

Em relação ao Brad Pitt, como ao Johnny Deep, tenho pensado o mesmo. O filme infelizmente ainda não pude ver, mas não deve passar desta semana.

lebredoarrozal disse...

grande post:D
mas olha que mais do que o pitt, o oscar para mim ir para o landa (grande grande papel)

Ana Alexandre disse...

Eu também achei o Landa simplesmente genial.
:-)